ARTIGO

Na Praça

Na Praça

Por Sérgio Piva

Por Sérgio Piva

Publicada há 6 anos

A praça central da cidade batizada com o nome de um dos fundadores do município, a exemplo de tantas outras cidades do interior, carrega consigo outros fatores semelhantes, além dos bancos e das árvores, da igreja chamada matriz e uma infinidade de histórias acorridas sobre os diferentes pisos dos quais cada uma é composta.

Décadas atrás, o  desenho das praças centrais, ou praça matriz como também eram comumente chamadas, construía-se a partir da igreja, que necessariamente não era no centro, estendendo-se por calçadas pavimentadas com pedras, quase sempre as portuguesas, de formato irregular construindo desenhos ou figuras geométricas contrastados pelo branco e preto daquelas pedras, cujas cores estavam entre as  mais tradicionais.

Os passeios das praças alinhavam-se ou ziguezagueavam por quarteirões inteiros, ladeados por canteiros de flores e plantas ornamentais que, por sua vez, eram recortados por espaços onde assentavam-se os bancos e, neles, todas as pessoas que viveram suas histórias tristes ou alegres sob às sombras refletidas nos dias quentes ou as penumbras formadas nas noites estrelados originadas das copas das árvores que cobriam cada banco da praça, como se eles fossem abraçados por trás, semelhante à atitude de quem faz um carinho ou protege outrem. 

Todo esse cenário era coadjuvante da estrela principal que se apresentava ao centro, exaltada por luzes de todas as cores, fazendo jorrar jatos d’água às alturas, cujas coreografias eram acompanhadas por trilhas sonoras que se repetiam de tempo em tempo. As fontes luminosas eram as protagonistas da Praça. Até hoje, onde existem, faz a alegria das crianças e embobece os adultos, tanto mais quanto forem igualmente luminosas.

A minha praça matriz me visitou primeiramente nas histórias que ouvia, ainda bem pequeno, durante as conversas dos adultos, quase sempre aquelas construídas entre minhas tias e minha mãe, quando contavam sobre suas aventuras na praça, durante o “fúti” (como diziam) ao redor da fonte, referindo-se ao footing, palavra originada de um falso anglicismo, recebido do francês, que nas cidades do interior, naquele tempo, significava um passeio de ida e volta, em trecho curto, de rapazes e garotas para verem o sexo oposto ou iniciarem um namoro.

Não me lembro quando fui pessoalmente apresentado à praça. As memórias que guardo dela, talvez as primeiras, são da fonte jorrando água colorida, que fiquei sabendo depois serem iluminadas por luzes coloridas, com sua música ao fundo, e o carrinho de pipoca do Seu Cido, cheio de pipocas, claro, mas de doces diversos que eu comia alternadamente.

Depois, me lembro claramente do surgimento do carrinho de cachorro-quente da Mônica, cujo nome estampado nas duas laterais era ilustrado por uma enorme boneca dessa personagem, que ficava sobre sua estrutura segurando um gigantesco (ao menos para época) guarda-sol vermelho. O lanche era composto por um pão sovado, de elaboração e formato diferentes do tradicional pão francês, que era partido ao meio e preenchido por uma salsicha, maior que seu tamanho, coberta por ketchup e maionese. Também é minha primeira lembrança da invasão cultural gastronômica americana em terras fernandopolenses.

Na praça foi onde namorei como fizeram minha mãe e tias, foi onde protestei, ondei cantei, dancei, gritei e bebi. Foi o lugar onde vi bandas e fanfarras, assisti à shows, li livros, descobri placas e visitei monumentos. Onde já sentei sorridente, enamorado, onde deitei perdido e levantei desnorteado. Onde fiz farra e caminhei para o trabalho. Onde contei e ouvi histórias. Onde observei o sol raiar e também se pôr. Na mesma praça por onde desfilaram outras dores e tantos outros amores.

Aquela praça que abrigava árvores longevas com seus bancos apresentando nomes e sobrenomes, arrancados em prol da modernidade. Deformada pela justificativa apelidada de revitalização, como se matar e reviver fossem sinônimos. Talvez seja apenas nostalgia ou, quem sabe, a consciência de conhecer a diferença entre velho e antigo.

Foi nessa praça de corpo desvanecido, mas espírito infindável, que hoje escutei a cadência da música, ouvi os hinos e vi as bandeiras tremularem sobrepostas à lua quase minguante no céu azul, presenciei discursos, revi amigos, sentimentos e lembranças, renovei diálogos, fiquei sabendo das últimas e saí com aprendizados.

Na praça onde o tempo corre, as pessoas passam e as lembranças ficam, me tornei parte da história: de gente que encontrei, das imagens que registraram e dos acontecimentos que passaram. Deixei estampado na memória mais um intervalo da minha vivência, como fez Fernandópolis ao juntar mais um ano aos oitenta de sua trajetória.

Na praça onde está o marco zero, onde tudo pode começar ou retornar ao zero, onde números registram datas, valores, idades e uma infinidade de saudades, foi onde escrevi esse texto com muito esmero. Saudemos a Praça e parabenizemos nossa cidade.

Sérgio Piva

s.piva@hotmail.com

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