ECONOMIA
Quase 60% das obras de infraestrutura paralisadas no país são de saneamento básico, aponta estudo
Quase 60% das obras de infraestrutura paralisadas no país são de saneamento básico, aponta estudo
Principais motivos de paralisação são problemas técnicos e abandono da obra pela empresa responsável.
Principais motivos de paralisação são problemas técnicos e abandono da obra pela empresa responsável.
Quase 60% das obras de infraestrutura paralisadas no país são de saneamento básico, aponta estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ao qual a reportagem teve acesso com exclusividade. São 429 das 718 obras de infraestrutura paradas, segundo dados do Ministério da Economia coletados pela CNI. As obras fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Nesta terça-feira (10), a especialista em infraestrutura da CNI, Ilana Ferreira, deve apresentar as conclusões do estudo na Comissão Especial que debate saneamento básico na Câmara dos Deputados.
As principais razões para as paralisações das obras de saneamento são "motivos técnicos" e "abandono pela empresa". Há ainda problemas financeiros e orçamentários, judiciais, de desapropriação, ambientais, entre outros.
"O abandono por parte das empresas pode ocorrer por falhas no processo de licitação, em que empresas inaptas acabaram ganhando a concorrência apesar de não terem a expertise necessária para a conclusão da obra. Outra causa (...) está no contexto fiscal em que municípios e estados não têm conseguido cumprir com os compromissos contratuais, o que leva ao abandono de empresas pela falta de pagamento", aponta a CNI.
Em entrevista, Ilana Ferreira elenca as principais dificuldades que estão por trás das paralisações:
Apesar de serem 60% das obras paralisadas, os casos de saneamento básico concentram apenas 9% dos recursos totais dos projetos parados. As 429 obras de saneamento correspondem a um investimento de R$ 10 bilhões, contra R$ 109,1 bilhões de todos os 718 projetos parados.
Segundo a CNI, são projetos simples, de pequena escala, "onde parece haver pouco espaço para imprevistos que possam gerar problemas técnicos".
"Tem obras de petróleo e gás que custam bilhões de reais. Essas de saneamento custam milhões, são bem menores e mais simples. Ou seja, há dificuldade de gerir até projetos pequenos", diz Ilana Ferreira, da CNI.
Brasil tem mais de 400 obras de saneamento básico paralisadas segundo dados do Ministério da Economia
PÚBLICO X PRIVADO
Para entender os problemas por trás dos altos índices de paralisação das obras, bem como os entraves do saneamento básico no geral, o estudo analisa o principal instrumento jurídico que rege o setor no país, os contratos de programa. Apesar de o saneamento ser uma responsabilidade dos municípios, empresas estaduais assumem os serviços de água e esgoto nas cidades a partir destes contratos.
Segundo o estudo da CNI, uma das principais distinções em relação ao contrato de concessão é que a celebração do contrato de programa não precisa ser precedida por licitação. Em outras palavras, não é necessário que haja concorrência para a celebração do contrato.
Não à toa, os contratos de programa são bem mais comuns no país. As companhias estaduais são responsáveis por 73% do mercado. Já os entes privados administram apenas 9% da população atendida.
O estudo da CNI destaca que essa falta de concorrência no setor repercute negativamente tanto nos dados já apresentados sobre obras paralisadas, quanto nos indicadores de atendimento de água e esgoto no país.
A confederação destaca que os índices de coleta de esgoto são 20 pontos percentuais mais altos no caso das concessões que na média nacional. Além disso, os investimentos per capita foram 33% superiores nas áreas concedidas que na média nacional entre os anos de 2015 e 2017.
"A pessoa que recebe o atendimento não escolhe de onde vem, mas o gestor público pode criar instrumentos para que haja garantia de que a pessoa receba o serviço da melhor forma possível", diz Ilana Ferreira. "Não é que tem que ser 100% privado. É que precisa de instrumentos de competição. A falta de competição fecha o mercado."
SANEAMENTO EM DISCUSSÃO
A Câmara dos Deputados instalou em agosto a comissão especial responsável pela análise do projeto de lei que estabelece um novo marco regulatório do saneamento básico. Está em discussão a prestação de serviços de saneamento por empresas privadas, bem como a determinação da abertura de licitações no setor, com a participação de empresas públicas e privadas e com o fim do direito de preferência das companhias estaduais.
"Hoje, tem sete projetos de lei do marco regulatório do saneamento. O que está sendo discutido hoje é justamente a exigência ou não de fazer licitação quando o contrato [de prestação de serviço] vence. Não significa privatizar. Significa abrir para propostas, seja da companhia estadual, seja de ente privado", diz Ilana Ferreira.
A CNI defenda a revisão do atual modelo do saneamento, afirmando que é um modelo "estabelecido há 50 anos" e que "não tem sido capaz de expandir de maneira satisfatória a prestação de serviços de água e esgoto" no país.
Segundo os dados mais atualizados do setor, o Brasil ainda apresenta quase 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada e quase 100 milhões sem coleta de esgoto. Além disso, apenas 46% dos esgotos gerados nos país são tratados.