'Debatendo a adolescência'
*** BOM
Não é de hoje que a adolescência funciona comumente ao cinema como uma espécie de rito de passagem: dos costumes e épocas (discussão) ou de tentativas mesmo de fazer deste um gênero promissor no tocante às finanças. Então, alguém é capaz de imaginar o que há de comum entre os filmes americanos As Vantagens de Ser Invisível (2012), Cidades de Papel (2015) e os brasileiros Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014) e o recente Ponto Zero? Se o leitor respondeu “nada!”, acertou em cheio.
O interessante (para se ater apenas aos filmes acima citados) é que é exatamente a diferença entre eles — e no caso trata-se muito mais de uma diferença de estilos do que de sugestivos ângulos de reflexões — que os tornam relevantes (As Vantagens...), divertidos (Cidades...) e instigantes pela própria lucidez narrativa (Hoje Eu Quero...) tanto para o público jovem quanto para o adulto. Ponto Zero, por possuir algumas características que lhe conotam um ar pesado, pode, à primeira vista, desagradar aos desavisados; e talvez, com permissão do trocadilho, promover um olhar concorrente às abordagens atuais. O filme conta a história de Ênio ( Sandro Aliprandini), um garoto próximo de completar seus 15 anos tentando superar uma vida de traumas causados, em parte pela figura de seus pais. Descrito assim, o enredo parece óbvio, se não bobo.
A vertente do roteiro que alavanca o filme vem de uma tirada fantástica: uma dosagem sobrenatural, que, claro, tem um propósito simbólico profundo em relação à chegada da fase adulta e todos os seus conflitos. Como primeiro longa do diretor José Pedro Goulart, é de impressionar o impacto visual da direção de arte, cuja poética não só preenche a tela como também imprime a esse período por vezes conturbado da vida uma sensação de ser uma odisseia sem fim, onde os jovens até podem ser o centro do mundo, só que um centro parecido ao olho de um furacão — que não exclui os adultos e os limites das relações com os jovens. Quem tem mais de trinta e assistir ao filme, provavelmente sentirá que de alguma forma a história também é sua.
'Filme parece a UFC: Programa da Globo'
* RUIM
Afonso Poyart conquistou notoriedade pela direção do bem sucedido 2 Coelhos. Agora, volta à cena com a ousada cinebiografia Mais Forte Que o Mundo: A História de José Aldo. É tudo verdade o que andam dizendo por aí: que o trailer engana, que no fim das contas o filme exibe menos ação do que um vazio incômodo (gerado pela expectativa de ação) de uma história ainda por se decifrar — lembrando que é o que acontece quando se propõe a contar a vida de alguém que não morreu. De certo modo, as cenas de ação, ou de luta, quando vêm, vêm com mais intensidade e envolvem a plateia em virtude da suposta sensação de que nada aconteceria. Mas acontece. Principalmente graças às atuações de José Loreto e de Rômulo Neto.
Também é verdade que a narrativa ganha um tom eletrizante com os cortes e montagens rápidas, estabelecendo um clima misto de videoclipe com documentário. Pena que no fundo o real verniz do filme seja de fato publicitário. Cinebiografias nunca foram o forte no cinema brasileiro pela presunção de se querer contar todos os entreatos (o que é impossível) da vida do personagem; assim, os roteiros se perdem recheados de episódios curtos e, talvez, irrelevantes para o filme — o que neste caso deveria ocorrer em primeiro lugar: selecionar o que é mais importante para filme e não para o personagem.
Neste quesito, o cinema americano conhece bem qual imaginário profundo reencontrar nos registros da vida alheia e transformá-lo em confrontos decifrados (ou quase) para atender os horizontes de expectativas do espectador. Poyart se esforça para impor ao seu trabalho registro semelhante, mas peca pelo excesso que ninguém consegue explicar: por que o imaginário de muitos diretores brasileiros não se desvencilha da trágica dramaturgia global, que faz um filme soar como novela? Dito isso, Mais Forte Que o Mundo até diverte, mas não deslancha.