NEGLIGÊNCIA
Honda é processada em R$ 66 milhões por negligência à saúde de empregados e assédio organizacional
Honda é processada em R$ 66 milhões por negligência à saúde de empregados e assédio organizacional
Segundo MPT, o ritmo imposto na linha de produção causa danos físicos e mentais aos trabalhadores; empresa discrimina reabilitados e cipeiros
Segundo MPT, o ritmo imposto na linha de produção causa danos físicos e mentais aos trabalhadores; empresa discrimina reabilitados e cipeiros
Da Redação
Campinas - O Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou ação civil pública contra a Honda Automóveis do Brasil Ltda., unidade Sumaré (SP), pedindo a condenação da montadora japonesa ao pagamento de R$ 66 milhões a título de danos morais coletivos, pelo descumprimento em série de dispositivos da lei trabalhista, em especial aqueles relacionados à saúde e segurança do trabalho, subnotificação de doenças ocupacionais e assédio organizacional.
Utilizando-se de diversos laudos periciais e relatórios produzidos por instituições como Fundacentro, Gerência Regional do Trabalho (GRT) de Campinas, Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Campinas e de peritos do próprio MPT, além de depoimentos e provas documentais, os procuradores que assinam a ação acusam a empresa de negligenciar a saúde dos trabalhadores que se ativam na fábrica localizada em Sumaré. A ação tem como objeto pedir a adequação da conduta da Honda, por meios judiciais, de questões relacionadas à ergonomia, ao acompanhamento da saúde dos empregados, à prevenção de riscos ocupacionais, à adaptação e reabilitação de trabalhadores que se acidentaram ou contraíram lesões na planta fabril e ao assédio sofrido por adoecidos e integrantes da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), o que configura, segundo as provas obtidas, um assédio moral organizacional.
A ação, assinada pelos procuradores Nei Messias Vieira e Paulo Penteado Crestana, pede a imposição, pelo Judiciário, de 14 obrigações de fazer ou não fazer, conforme os resultados da investigação. O procurador José Pedro dos Reis é o responsável pela condução do processo.
Ritmo frenético – Segundo constatações do CEREST Campinas, um dos aspectos que chamou mais atenção no meio ambiente de trabalho da montadora é o ritmo muito acelerado de produção. Como exemplo, no ano de 2015, a quantidade de veículos produzidos correspondeu a 123,3% da capacidade de produção da empresa. Essa conclusão foi corroborada pela constatação de que o takt time (intervalo de tempo de saída de cada carro da produção) médio é de 84 segundos. Considerando uma produção de 270 veículos por turno, seriam reservados 106,67 segundos para cada carro, e restariam apenas 23 segundos de intervalo (micropausa) entre um veículo e outro.
Segundo o relatório da Fundacentro, o aumento na velocidade de produção parece ser um objetivo sistemático a ser atingido pela Honda na fábrica de Sumaré, de forma que existe a constante redução do tempo destinado a cada ciclo. A expressão utilizada internamente é “Ritmo Honda”, pelo qual operadores são cobrados de uma constante adequação do ritmo de produção por líderes e chefes. “Foi constatado que algumas tarefas de alguns setores precisam ser executadas fora da jornada. Uma vez que a jornada se inicia e se interrompe junto com o funcionamento da linha de produção, não resta tempo para atividades paralelas, que, no entanto, fazem parte do processo produtivo. Isto chega a comprometer as pausas de descanso e refeição bem como prolonga informalmente a jornada, que são mecanismos garantidos legalmente à saúde e segurança no trabalho”, observa o relatório. Um dos depoentes disse ao MPT que as interrupções das pausas para almoço eram feitas sob orientação da gerência, repassando “o ônus das falhas do sistema ao trabalhador, comprometendo e inviabilizando mecanismos obrigatórios por norma, voltados à preservação da saúde e integridade física e psicológica: as pausas para descanso e almoço”.
De acordo com o inquérito, o rodízio de atividades existe em alguns postos, mas alguns entrevistados disseram que “na prática, muitas vezes, o rodízio não é feito, por falta de pessoas treinadas em alguns processos”. O ritmo frenético, aliado à pressão por resultados e a falta de prevenção à saúde física e mental resultou, em diversos casos, em graves lesões por esforços repetitivos e problemas relacionados à saúde mental do indivíduo.
Afastamentos e subnotificação de CATs – O CEREST detectou, em seu relatório, que a “vida útil” de um empregado da Honda é de 4 a 5 anos, com base na análise de um grupo homogêneo de trabalhadores. Nesse período começam a aparecer os problemas osteomusculares avançados, e “o trabalhador já não aguenta mais o ritmo de trabalho”.
O CEREST constatou que entre 2011 e 2015 foram emitidas 242 Comunicações de Acidentes de Trabalho (CATs) referentes aos empregados da ré, sendo que 94,93% das CATs emitidas pela empresa disseram respeito a acidentes típicos de trajeto (apenas 5,07% de doenças ocupacionais), ao passo que 100% das CATs emitidas por autoridade pública e 92,31% das CATs emitidas pelo sindicato foram de doença. A conclusão do CEREST foi que a quantidade de CATs emitidas pela Honda é “irrelevante em face à alta prevalência de casos de doenças osteomusculares observada nos bancos de dados fornecidos pela empresa”, inclusive com casos de trabalhadores que passaram por procedimentos cirúrgicos, mas mesmo assim não tiveram a doença reconhecida pela empresa.
A Fundacentro aponta na sua perícia técnica que “uma rápida análise dos afastamentos dos últimos 10 anos da produção, nas áreas de solda, pintura e linha de montagem revelam quantidade significativa de adoecimentos osteomusculares, cuja probabilidade de ter relação com o trabalho é alta, mas que não tem CAT emitida”. Nos cargos de soldador e soldador especializado, preparador de pintura e pintor especializado, e de montador e montador especializado, que representam 67% da produção, o tempo médio de trabalho foi de 4,67 anos, 5,65 anos e 4,42 anos, respectivamente.
“Interessante notar que 50% dos trabalhadores desligados entre 2006 e 2016, em toda a produção, mantiveram-se na empresa por, no máximo, 4,17 anos. O plano de cargos e salários para área de produção prevê evolução salarial somente por cinco anos ou um pouco mais do que isso, para aqueles que progridem para operador especializado. Entende-se que um plano de cargos e salários é um elemento estratégico de gestão, sendo implantado após estudo da conveniência para os interesses da empresa”, afirma o CEREST.
CIPA e assédio –Depoimentos e reclamações trabalhistas juntadas no processo demonstram que a Honda tem uma política para que empregados não formalizem queixas de adoecimentos, que há perseguição e vigilância sobre empregados adoecidos e cipeiros, para que fiquem isolados dos colegas de trabalho e para que trabalhadores reabilitados sejam alocados em funções incompatíveis com seu estado de saúde.
Com relação à CIPA, há provas no inquérito de que não eram lançadas nas atas todas as ocorrências, propostas e fatos relatados pelos participantes, prejudicando a gestão por segurança. Houve casos, ainda, de cipeiros demitidos em seu período de estabilidade.
O CEREST Campinas identificou que há discriminação a trabalhadores com problemas de saúde: 82,56% dos trabalhadores demitidos no período entre 2006 e 2016 estiveram afastados por algum problema de saúde. Fazendo um recorte dos setores mais críticos (montagem, pintura e solda), o relatório conclui que, em média, 61,52% dos trabalhadores demitidos tiveram afastamentos pelo chamado CID M (doenças relacionadas a doenças osteomusculares). Para o MPT, as estatísticas reforçam o fato de que as dispensas foram efetuadas por motivos discriminatórios.
Na ação civil pública, o MPT acusa a Honda de assédio organizacional, uma prática que institui a pressão contínua por resultados e delega toda a responsabilidade do desempenho na linha de produção ao trabalhador. Diz o relatório da Fundacentro: “a negação do risco, o escamoteamento da doença e mesmo a detração dos adoecidos, tão presentes nas condutas dos chefes, segundo entrevistados, pode ser fruto de um enquadramento organizacional (ainda que informal) do problema do adoecimento no trabalho. Trata-se de uma forma de aculturação informal daqueles que ocupam posições de mando, que visa preservar o sistema de trabalho, frente às evidências de que algo está errado, evidências estas trazidas pelo adoecimento e incapacidade entre os trabalhadores. A negação do risco e a ocultação das doenças produzem resultados dramáticos de cronificação de doenças e geração de incapacidade e mesmo ausência de prevenção, uma vez que ocultos o risco e a doença, as instâncias da empresa que deveriam atuar na prevenção, não tem informações para tal”.
Por fim, a ação civil pública aponta para omissões em atestados de saúde ocupacional (que contemplam as restrições para o retorno ao trabalho em decorrência de doenças e acidentes) e a inadequação do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) da Honda.
Pedidos – O MPT faz 14 pedidos na ação civil pública, sendo eles: produzir e implementar análise ergonômica do trabalho; produzir e implementar PCMSO; proporcionar os meios para que os membros da CIPA desempenhem suas funções; produzir atestados de saúde ocupacional com periodicidade e requisitos necessários; emitir CAT na forma da lei, inclusive em casos de suspeita de doenças; atribuir funções compatíveis aos trabalhadores, incluindo as metas exigidas; reinserir adequadamente trabalhadores reabilitados; não praticar atos de assédio, inclusive contra cipeiros e reabilitados; e condenar definitivamente a empresa ao pagamento de R$ 66 milhões por danos morais causados à coletividades, entre outros.
O processo tramita na Vara do Trabalho de Sumaré.
Fonte:Assessoria de Comunicação - MPT Campinas/SP