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O que mudou?

O que mudou?

Por Amaury César Soares

Por Amaury César Soares

Publicada há 4 anos

Em sessão realizada no dia sete deste mês, O Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento de três Ações Diretas de Constitucionalidade, tendo considerado constitucional a regra contida no artigo 283 do Código de Processo Penal, que dispõe o seguinte: “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva” (grifei).

Com este julgamento, o STF mudou a jurisprudência que vinha sendo mantida desde 2016 e que permitia o início do cumprimento da pena privativa de liberdade após a condenação do réu pelo órgão julgador de segunda instância. Agora, a prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, após o esgotamento de todos os recursos interpostos pelo acusado.

Nos dois julgamentos o placar foi apertado: seis a cinco. Na realidade, as duas interpretações revelam abordagens diferentes do citado dispositivo legal: uma, centrada na literalidade do texto; a outra, mais ideológica, preocupada com a efetividade da justiça e a morosidade do sistema judiciário brasileiro. Os dois lados apresentaram argumentos bastante convincentes.

Não é normal a mudança de jurisprudência em tão pouco tempo. O que aconteceu nesses três últimos anos para que a Suprema Corte alterasse o seu entendimento?

Nesse período, a Polícia Federal e o Ministério Público realizaram um gigantesco trabalho de investigação, que revelou para o povo brasileiro como a corrupção estava entranhada no cotidiano do nosso país. Um mar de lama havia invadido os diversos setores do governo, deixando carcomidas as suas estruturas. A Operação Lava Jato trouxe à luz uma infinidade de falcatruas, envolvendo as maiores empreiteiras do país e diversos órgãos governamentais, em operações de manipulação de concorrências, superfaturamento de contratos e farta distribuição de propinas.

O resultado do enorme trabalho investigativo levou para a cadeia figuras muito poderosas do governo e da iniciativa privada, indivíduos que até pouco tempo atrás se julgavam inatingíveis. Foram colocados atrás das grades: proprietários e funcionários de grandes empresas privadas, diretores de estatais, governadores, deputados, senadores. Até um ex-presidente da República foi condenado e preso. Nem em nossos mais alucinados devaneios poderíamos imaginar que a mão da Justiça fosse alcançar pessoas tão proeminentes.

Por isso, a luta contra a corrupção precisava tanto que essa jurisprudência fosse mantida, que fosse reafirmado o entendimento de que é possível a prisão do réu após a sua condenação em segunda instância. O direito processual penal brasileiro coloca à disposição do acusado um número grande de recursos, que ele pode utilizar fartamente, postergando por muito tempo o desfecho do caso. Essa situação pode levar à prescrição do direito do Estado de punir o criminoso.

Estando o réu preso, ele se torna o principal interessado na celeridade do processo. Com o acusado solto, aguardando a conclusão do caso em liberdade, ele perde toda a pressa, faz uso de todos os recursos, possíveis e impossíveis, jogando cada vez mais para frente o término da ação penal. Antes do julgamento de 2016, muitas ações prescreviam e o crime ficava sem punição.

Dessa forma, a sociedade brasileira recebeu com apreensão o novo entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal. O que teria provocado esta mudança? 

Todos os membros da Suprema Corte presentes nos dois julgamentos, com exceção do ministro Gilmar Mendes, mantiveram o mesmo entendimento nas duas ocasiões. É importante lembrar que Alexandre de Moraes substituiu Teori Zavascki, falecido em 19 de janeiro de 2017. Entretanto, a substituição não afetou o resultado, pois o voto de ambos foi no mesmo sentido.

Na verdade, a jurisprudência só foi alterada porque o ministro Gilmar Mendes mudou de lado: Em 2016 ele havia votado favoravelmente à possibilidade de prisão após o julgamento de segunda instância. Agora, em posição totalmente diversa, proferiu seu voto defendendo a tese de que o início do cumprimento da pena só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória. É difícil compreender como, em tão pouco tempo, o ministro Gilmar pôde alterar tão radicalmente a sua maneira de pensar. Que argumentos o teriam levado a mudar de lado?

Com o novo entendimento do STF, os brasileiros preocupados com a continuidade da luta contra a corrupção voltam suas expectativas para o Congresso Nacional. Somente uma mudança da legislação poderá evitar o ressurgimento dos processos penais intermináveis e o retorno da impunidade para os poderosos. Infelizmente, não alimento muitas esperanças de que isso ocorra. Espero estar enganado.


Amaury César Soares

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