A Covid-19 está abalando o mundo pela rapidez que se propaga e a alta letalidade que provoca. A insegurança e o medo globalizam-se, sacudindo em tudo a vida de todos. De repente, as contradições de nossa sociedade desvelam-se. Economias potentes, como do Brasil, demonstram que pouco servem para sustentar os trabalhadores que lutam para sobreviver, necessitados, agora, do isolamento social. Pouco servem sequer para sustentar os pequenos empresários ameaçados de falência.
Neste momento, se os serviços não essenciais forem retomados, rompendo a quarentena, quais vantagens teremos, se favorecerá o aumento vertiginoso de infectados a um nível muitíssimo superior à capacidade de atendimento do sistema de saúde? A consequência será mais desastrosa, tanto para pobres como ricos, afinal o vírus não escolhe classe social. Se a economia deve estar a serviço da vida, cabe-nos primeiro sobreviver, defendendo juntos esse direito para todos, sem distinção.
Essa pandemia afeta sobretudo os mais vulneráveis, especialmente idosos, a quem devemos dedicar cuidado prioritário. Com eles convivemos. Circularmos livremente, crendo ser possível manter somente eles e outros com comorbidades, isolados, é ignorar o quanto eles dependem de nós e o quanto dependemos deles. Profissionais da saúde, sobretudo do sistema público, tão sucateado, estão em condições também vulneráveis. Eles defendem a vida dos demais, sem suficiente defesa.
Governantes insensatos de muitos países, que retardaram o isolamento social, pouco fazendo para sustentá-lo, favoreceram um número altíssimo de mortes e mais ruína econômica por serem obrigados, agora, a alongarem a quarentena. Como garantir, então, no Brasil a sustentabilidade do isolamento social horizontal, pouco ainda respeitado? A conscientização e o controle do Estado têm sido fundamentais, mas insuficientes por causa da precariedade de condições da maioria da população.
Cabe ao Estado subsidiar economicamente os desempregados, os afastados temporariamente do trabalho, os autônomos informais, os setores marginalizados e os microempreendedores, como meio de sustentabilidade ao isolamento social. Essa solidariedade, a ser exercida pelo Estado, deve implicar o setor privado, especialmente de grande porte. É questão de justiça, pois, a título de exemplo, os cinco homens mais ricos do Brasil têm tanto dinheiro quanto a metade dos mais pobres, juntos.
Os gestores públicos devem, nesta situação de calamidade, promover uma distribuição mais justa das riquezas e taxar as grandes fortunas, em função do combate à pandemia. A Doutrina Social da Igreja urge-lhes essa tarefa. É significativa nesse sentido, a afirmação do Papa Bento XVI, na Encíclica Deus é Amor: “A justa ordem da sociedade e do Estado é dever central da política. Um Estado que não se regesse segundo a justiça, reduzir-se-ia a um grande bando de ladrões, como disse Agostinho”.
Apreensivos com a pandemia, almejamos paz. Ela depende de nossa corresponsabilidade e de nossa luta em favor do que é justo. Santo Agostinho assim o diz: “É bom desejar a paz, mas, se não se realiza a justiça, esse desejo converte-se em mentira”, e completa com palavras propícias para a Páscoa, sobretudo deste ano: “enquanto houver vontade de lutar, haverá esperança de vencer”. Unamo-nos, pois, solidariamente, em Cristo, em defesa da vida, afinal a solidariedade salva a humanidade.
Jales, 08 de abril de 2020.