FILOSOFIA

O jubileu de prata de um áureo saber

O jubileu de prata de um áureo saber

O livro O Mundo de Sofia, do norueguês Jostein Gaarder, completa 25 anos e ainda desperta, principalmente no público leigo, o interesse pelo estudo da Filosofia

O livro O Mundo de Sofia, do norueguês Jostein Gaarder, completa 25 anos e ainda desperta, principalmente no público leigo, o interesse pelo estudo da Filosofia

Publicada há 8 anos

  

Best-seller. As capas das edições brasileiras



O número de leitores mundiais é pequeno, segundo estatísticas oficiais. Em 2005 a Índia detinha a liderança. Mais de dez horas mensais dedicadas ao hábito. O Brasil era apenas o 27° no aferido. A televisão, e mais recentemente a internet e os sofisticados telefones móveis, parecem tornar o papel e seu manuseio algo cada vez mais anacrônico. Todavia, o hábito resiste. Felizmente. 


O Brasil não é um país de muita tradição filosófica. Nossa primeira universidade foi a USP, fundada em 1935, enquanto a Europa possui instituições com mais de mil e duzentos anos de existência. Portanto, nesse sentido, não temos uma “tradição filosófica”. Em tempo: dados oficiais mostram que a Filosofia Ocidental, em meio a longo processo, tem sua aurora por volta dos séculos VII ou VI antes de Cristo na Grécia Antiga. Escrever não era um ato nobre na medida em que, por ser uma atividade manual, era considerada trabalho, portanto, algo indigno, próprio das classes subalternas. Pensava-se, discutia-se, no entanto, não se escrevia. A memória e alguns “escribas” nos legaram a sabedoria produzida na Antiguidade. No final desse período, com a derrocada do mundo Grego antigo e a formação do Império Romano, construiu-se a Era Medieval e a consequente oficialização do cristianismo como religião dos novos mandatários, isso produziu mudanças, tanto na produção, quanto na difusão dos livros e da leitura. 


O saber da antiguidade foi revigorado, graças ao trabalho paciencioso e fundamental do clero regular; monges e abades, os quais, a mão, reproduziram e confeccionaram belas iluminuras. A criação dos tipos móveis de imprensa, realizada por Gutenberg, permitiu a produção mais ágil e maior de livros. A Renascença foi fundamental para sua circulação, em que pese a ação do Santo Ofício e seu Índex. Porém a Modernidade nos legou suas revoluções burguesas e o debate em torno do ensino laico e público. Lentamente, começa a se processar a difusão do conhecimento e a circulação maior de livros. 


É importante mencionar que a leitura era o grande passatempo, o lazer das populações minimamente letradas. Vale lembrar, no século XIX, os folhetins ocupavam o lugar das telenovelas. Todavia, a leitura erudita ainda se mantinha restrita a poucos. Universidade e televisão tardias no Brasil faziam com que o rádio ocupasse o papel do entretenimento. No entanto, lia-se mais. O acesso à compra desses aparelhos e a expansão das redes telecomunicação, abrangendo todo o território brasileiro, distanciaram ainda mais o povo dos livros. Vale lembrar que, ao mesmo tempo, o número de matrículas na educação básica e ensino superior aumentaram. As publicações em Filosofia sempre foram circunscritas aos meios acadêmicos. Poucas traduções, mercado restrito, poucos títulos disponíveis. O êxito na luta da volta da Filosofia para as grades oficiais do ensino público representou um grande alento. Num primeiro momento, havia a necessidade de se produzir algum material de apoio aos professores e, principalmente, aos estudantes. 


Ao final dos anos 1980, chega ao Brasil o trabalho do professor Matthew Lipmann, Filosofia Para Crianças. Discutível, porém, mais um elemento para compor esse novo mosaico. Entra em cena um novo detalhe: final dos anos 1980, início dos anos 1990, há um salto de qualidade enorme no mercado editorial brasileiro. Os livros estão em alta. Nesse cenário, há vinte e cinco anos, foi publicado no Brasil O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder. O livro cria uma atmosfera de mistério, cartas sinistras, com as quais a menina Sofia começa sua iniciação no saber. Em meio ao desvelar das cartas, o autor começa a apresentar os filósofos, apontados por ele como os essenciais na História da Filosofia. Todavia, por uma escolha subjetiva, Gaarder, encerra a obra no século XIX. Com um agravante: não menciona Nietzsche! (Absurdo). A publicação da obra no Brasil provocou grande furor. Muita procura pelo livro. Houve aumento na procura pela graduação de Filosofia também por essa época. Evidente, não há aqui a pretensão de estabelecer correlação entre um fato e outro. Apenas salientar que a vinda do livro se dá com o alvorecer de novo instante no Brasil: a descoberta da leitura de obras filosóficas ou textos com algum teor. Possivelmente, o grande mérito de O Mundo de Sofia seja o de provocar no leitor o gosto doce da prazerosa e penosa leitura de obras filosóficas. Um primeiro — mas pequeno — salto para posteriores grandes voos. 


Para um graduado ou iniciado em Filosofia a obra não produz grandes efeitos. Entretanto, para aqueles que não tiveram nenhum contato anterior é extremamente válida. Além disso, foi responsável por certo boom no mercado editorial voltado para a publicação de obras de Filosofia. Criou uma “moda” de leitura. Se estas foram com qualidade ou em quantidade, não há medida empírica para aferi-las. O importante é que se iniciaram e formaram ao menos alguns leitores. Contudo, foi válida, no mínimo, para garantir ao autor, além de notoriedade, recursos financeiros para que pudesse — no Mercado das Pulgas de Buenos Aires - adquirir os originais do Codex Floriae, as cartas de Flória Emília endereçadas ao amante, futuro bispo de Hipona, conhecido como Santo Agostinho. O livro é arrebatoramente belo! Por ter permitido que este texto viesse à luz, o mérito da publicação de O Mundo de Sofia já está mais do que chancelado.

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