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Cada arte...

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Telemarketing - Por Osvaldo Sacatto

Telemarketing - Por Osvaldo Sacatto

Publicada há 7 anos

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Um dos desafios do mundo moderno é ter um celular — ou telefone fixo — e continuar imune ao telemarketing e à voracidade de seus operadores. Mas existem táticas — até eficientes — para quando a desculpa educada “obrigado, não tenho interesse” não surte efeito e, mesmo você não atendendo, eles continuam ligando.


Estique a conversa. Diga que você tem interesse, peça detalhes do produto ou do serviço, pense em várias situações hipotéticas e vá passando-as ao(à) atendente: “Em que cores vem impressa a revista?” “Você pode repetir os sabores do shake? Eu me perdi entre pitanga com graviola e napolitano...” “Posso escolher a cor do meu cartão?” “Qual a gramatura exata do papel do jornal?” “Dá para colocar a minha foto como pano de fundo no talão de cheques?”. Use a imaginação: “E se alienígenas destruírem as comunicações terrestres, minha internet vai continuar funcionando?” Continue até a ligação misteriosamente cair.


Mate já no nome. Pesquisas sérias comprovam: em 97,5% dos casos, a primeira coisa que o(a) atendente faz é confirmar o nome da pessoa para quem ele(a) ligou. — É o senhor Olívio? 

— Depende. 

— Como assim, “depende”? 

— Você pode soletrar? 

— Soletrar? Mas...

— É. Sempre dá confusão. 

— Ué, é Olívio, normal.

— Mas eu não sou normal. “Eu não sou normal” já é meio caminho andado para o(a) atendente desistir de você. 

— Vamos lá: “o”. 

— “O”. Isso. 

— “L”... E tem o “i”. 

— Tem acento? 

— Não, é só “i”. 

— Ah, então, não pode ser. 

— Por quê? 

— Meu Olívio é com “y”. 

— Tudo bem, sem problema. Às vezes é só um erro de digitação. Eu vou... 

— Não, não. Já não é bom sinal. Outra vez confundiram o nome. Me ofereceram um produto, só que era para outro Olívio. E eu nunca recebi... Fiquei esperando. Uma situação horrível. 

— Não se preocupe, seu Olívio, não tem confusão. Eu refaço o seu cadastro, atualizo suas informações todas. É só o senhor me dizer... 

— O quê? Você acha que eu vou passar meus dados por telefone para você, minha filha? É melhor deixar quieto. 

— Mas, seu Olívio... 

— A propósito, qual o nome completo que está aí? — Olívio Luiz. — Com “z” ou com “s”? 

— “Z”. 

— Ah, não sou eu mesmo. O meu é com “s”.


Ou dê uma de doido quando ela começar a soletrar. 

— Vamos lá: “o”.
—"O". Isso.

—"L".... E tem o "i".

—Com ou sem acento?

— Ah, aqui não tem acento. 

— “Aqui” onde? 

— No sistema. 

— Que sistema? 

— O da empresa. 

— Que empresa? 

— A do seu telefone! 

— Mas eu não tenho telefone! 

— E tá falando onde, ora?!

— Eu achei isto na rua bem na hora que estava tocando!


Se for cartão de crédito. Diga “Graças a Deus!”, com ênfase, expressando profunda gratidão à atendente e aos céus, e que você estava mesmo precisando de outro cartão de crédito, que os outros dezessete que você tem já estão estourados, que você já não tinha mais onde pegar dinheiro, que banco nenhum mais assumia o risco de lhe dar algum crédito, que os órgãos de proteção ao crédito já o conheciam até pelo apelido de infância, que os agiotas já estavam ameaçando quebrar suas pernas, sumir com seu cachorro e sua família, etc. Pergunte sobre o limite que já está autorizado, se dá para aumentá-lo provisoriamente para, não sei, cem salários mínimos. E termine com “Até amanhã dá tempo de chegar o cartão?” Com desespero na voz.

Se não for de nenhuma empresa de que você seja cliente. Não sendo daquelas empresas que lhe mandam religiosamente boletos todo mês, onde você tem cadastro e depende dele para a continuidade dos serviços, é possível arriscar mais alternativas de abordagem. Comente como se estivesse ofendido: “Vocês não vão dar paz? Não têm respeito? Meu pai morreu e vocês ainda querem vender coisas para ele?!”


Ou, então, diga que nunca ouviu falar da pessoa, que ele se casou e foi morar no Japão, que ela está no sítio e não tem sinal lá, que a pessoa passou num concurso público em Roraima e nunca mais foi vista, que depois do ataque de pit bull que lhe desfigurou o rosto a pessoa não atende mais telefone. Essas coisas. Diga que a pessoa era seu marido, que lhe batia e foi preso e, mais importante, comece a contar sua história triste: “Ele me batia, sabe? Mas eu o amo. Acho que, depois de uns anos na cadeia, ele vai me dar valor. Tudo começou quando a gente estava no bar do Jonas e...”


Dê um susto. Comece a dizer que conhece a operadora de telemarketing, que sabe onde ela está, que sabe a cor dos fones de ouvido dela e que está se aproximando, que está chegando perto, mais perto. E quando ela perguntar, com a voz trêmula, “Ah, é? De que cor são, então?”, você grita “Buh!!!”. Só para tentar derrubá-la da cadeira. Ou vá falando bem baixinho, diminuindo o volume da voz. E quando a atendente disser “Hã?”, você grita. Qualquer coisa. Bem alto.

Se você fizer tudo isso, pode ser que eles marquem o seu cadastro com alguma cor desencorajante e escrevam no sistema: “desista”. O que é muito raro.



PALAVRA

"Não me preocupo muito em ter ou não uma posição como artista. Literatura para mim não é mercado. É a minha festa, é onde eu me realizo. Digo sempre: arte é missão, vocação e festa. Não me venham com essa história de mercado” - (ARIANO SUASSUNA)


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