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Tim Rescala: A música como missão
Tim Rescala: A música como missão
Em entrevista exclusiva ao Cultura!, o compositor Tim Rescala, sempre em destaque no cenário musical brasileiro, fala de sua carreira e da aclamada trilha sonora que compôs para a novela Velho Chi
Em entrevista exclusiva ao Cultura!, o compositor Tim Rescala, sempre em destaque no cenário musical brasileiro, fala de sua carreira e da aclamada trilha sonora que compôs para a novela Velho Chi
"Fico particularmente feliz com o fato de ser essencialmente música sinfônica (a trilha de ‘Velho Chico’), provando que o público não tem rejeição a este tipo de música"
Por O. A. Secatto
Tudo bem que muita gente se lembre dele mais pelo personagem Capilé Sorriso, da Escolinha do Professor Raimundo, mas Tim Rescala está muito além disso. Nascido no Rio de Janeiro, em 21 de novembro de 1961, numa família de músicos — seu pai era barítono do coro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e sua mãe, cantora e organista de igreja —, o destino do premiado compositor Tim Rescala estava traçado. É ele o responsável por muitas músicas que embalaram novelas e minisséries de sucesso, como Hoje é Dia de Maria, Capitu, Afinal, O Que Querem as Mulheres?, Alexandre e Outros Heróis, Meu Pedacinho de Chão e Velho Chico, dentre tantos outros. Militante do Movimento “Quero Educação Musical na Escola”, Tim dedicou grande parte de sua carreira ao público infantil. Compôs inúmeras peças, obras e musicais infantis, como Pianíssimo, A Orquestra dos Sonhos, Papagueno, A Turma do Pererê e até mesmo a música para o Sítio do Picapau Amarelo, sempre destacando a importância de se criar para as crianças. “Considero que a criança é um melhor ouvinte que o adulto. Na verdade, com o tempo, no lugar de melhorar nossa escuta, ela vai piorando. Vamos criando seletividade, preconceitos, fazendo opções que excluem no lugar de somar. Uma criança é um livro aberto, uma página em branco. Devemos preencher essa página com estímulos complexos e não elementares. Tem que ser o contrário do que normalmente se pensa. Por isso é tão importante criar para elas. Considero um dever. (...) a música para crianças pode e dever ser complexa, mas sempre lúdica. Essa é a única diferença”, comenta. Para privilégio desta edição do Cultura!, Tim concedeu uma divertida entrevista por escrito, em que falou um pouco de sua vida e obra. Confira os principais trechos da conversa.
• Tim, já são quase 55 anos de idade. Desses 55, quantos de música?
Bem, eu considero que aos 15 anos, quando fiz prova para a OMB (Ordem dos Músicos do Brasil) e decidi que seria músico, o início de minha carreira profissional, mesmo porque eu já trabalhava com música e já ganhava meu dinheiro tocando órgão em igrejas e dando aulas de piano e violão.
• A música foi algo sempre presente na sua vida? Houve exemplos ou influências na família? O que o levou a escolher a formação musical?
Sim, meus pais eram músicos. Meu pai era barítono do coro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e minha mãe, cantora e organista de igreja. Eu e meu irmão, que também é tenor do coro do Municipal, frequentávamos o Theatro e outras salas de concerto. Escolher a música como profissão foi algo natural, embora um episódio tenha sido decisivo. Sempre depois das óperas meu pai me levava para apertar a mão do maestro. Depois de um concerto eu perguntei a ele: o que dá mais dinheiro, ser jogador de futebol ou maestro? Ele me enganou e disse que era maestro!
• O que o fez mudar do caminho da composição clássica para a contemporânea?
Meu interesse pela música sempre foi amplo, tanto pela clássica, quanto pela popular. Aos 13 anos eu me cansei um pouco do aprendizado acadêmico, pois tocava rock numa banda. Mas como gostava muito de rock progressivo acabei retomando o aprendizado acadêmico, pois nessa época já ficou claro para mim que minha atuação seria em mais de um campo da música. A partir de então sempre pratiquei os dois tipos de música e outros que estivessem na fronteira entre os dois.
• O que você ouve em casa?
Música clássica, jazz, choro, MPB e algum rock, fora música infantil, pois tenho uma filha de 8 anos. Felizmente, os CDs que serviram a minha outra filha, agora com 21, ficaram para ela.
• A criação artística é algo sempre muito pessoal e particular. Você tem alguma rotina, ritual ou mania para compor? Como é o seu processo criativo?
Sim. Já faz muito que tenho a mesma rotina: vou para meu estúdio por volta das 13h30 e fico lá até umas 20h ou mais, dependendo do que estiver fazendo na época. Componho diariamente, atendendo a encomendas, sejam no campo da música de concerto, da TV, cinema, teatro, etc. Enfim, sou um compositor profissional.
• Com o tempo e a experiência, compor vai ficando mais fácil, natural?
Com certeza. É um ofício como qualquer outro, embora, por implicar sempre um ato criativo, seja bem diferente do que trabalhar numa fábrica ou numa loja. Há conflitos, idas e vindas, enfrentamento de questões estéticas, dúvidas, recuos, etc. Mas não deixa de ser um ofício.
• Diz-se que Verdi andava com um caderninho para anotar melodias em suas viagens ou mesmo ao andar pela cidade e pelo campo. Você anota ideias assim? Tem alguma outra técnica?
Sim, pois a gente compõe o tempo todo, mesmo dormindo! kkkk. Na verdade a problemática da composição fica em nossa mente, mesmo quando não estamos diante de uma mesa de trabalho. Costumo compor (mentalmente, é claro) dirigindo, caminhando, viajando de avião e até cozinhando. Depois é o caso de anotar, seja da forma mais tradicional, num caderninho, como o de Verdi, ou com a ajuda das ferramentas tecnológicas de hoje, como num telefone.
• “Cliché Music” (obra de 1985) e o compositor de vanguarda: a sátira continua atual?
Infelizmente sim! kkkk. Continua causando muitos risos e constrangimentos. Costumo dizer que quando a peça estreou, numa Bienal de Música Contemporânea no RJ, conquistei muitos fãs e inimigos!
• De que maneira surgiu o personagem Capilé Sorriso na “Escolinha do Professor Raimundo”? E como foi trabalhar com Chico Anysio?
O Chico me ligou um dia e me convidou para trabalhar em seu programa, tanto como músico, quanto como ator. Isso foi muito importante para mim, pois o admirava muito, desse pequeno. Mal sabia falar direito e já perguntava para o meu pai: “Hoje vai ter Chico Anismo?” O personagem foi criado por ele. Certa vez, gravando um quadro, improvisei aquela gargalhada. Ele mandou voltar e disse: “Guarda isso.” Mandou regravar o quadro anterior, incluindo a gargalhada, que passou a ser o bordão do personagem. Tinha uma inteligência, talento e generosidade descomunais. Um gênio mesmo.
• Há no cinema colaborações sempre lembradas entre diretores e compositores, como de Steven Spielberg e John Williams, Peter Jackson e Howard Shore, Christopher Nolan e Hans Zimmer, Tim Burton e Danny Elfman. Já são vários trabalhos que você realizou com o diretor Luiz Fernando Carvalho: “Hoje é Dia de Maria”, “Capitu”, “Afinal, O Que Querem as Mulheres?”, “Alexandre e Outros Heróis”, “Meu Pedacinho de Chão” e “Velho Chico”. Tornou-se uma parceria de sucesso?
Com certeza. O Luiz sempre marcou seu trabalho por uma forma artesanal de lidar com todos os aspectos que envolvem a obra audiovisual. Gosta e valoriza muito o papel da música, como poucos. Tem bom gosto e cultura musical. Considero que o compositor de audiovisual empresta seus ouvidos para o diretor, que é o principal autor da obra audiovisual, essencialmente uma obra e coautoria.
• Poucas vezes uma trilha sonora casou tão perfeitamente com uma novela, seu tom, seus personagens, a ponto de ser unanimemente elogiada, por público e crítica. Como você recebeu essa repercussão e quais foram suas fontes de inspiração para a trilha sonora de “Velho Chico”?
Fiquei e ainda fico muito feliz com a resposta. A todo momento alguém fala comigo na rua ou manda mensagens, elogiando o trabalho. Fico particularmente feliz com o fato de ser essencialmente música sinfônica, provando que o público não tem rejeição a este tipo de música, só não tem oportunidade de ouvi-lo regularmente, sobretudo num veículo como a televisão. Parti, como sempre, de conversas com o Luiz Fernando. Sempre há referências a seguir, no caso foi mais da música clássica brasileira nacionalista, como Villa-Lobos, Guerra-Peixe ou Radamés Gnattali.
• Para toda a nordestinidade, presente, por exemplo, em “Alegria no Vilarejo”, “Desafio Agalopado” e “No Bar do Chico Criatura”, quais as suas influências? O Quinteto Armorial foi uma referência?
Com certeza, mas fundamentalmente a referência principal foi o Guerra-Peixe e o movimento armorial como um todo, incluindo o trabalho de Cussy de Almeida.
• Depois de tantas obras e musicais infantis como “Pianíssimo”, “A Orquestra dos Sonhos”, “Papagueno”, “A Turma do Pererê” e até mesmo a música para o “Sítio do Picapau Amarelo”, como é a sua relação com o mundo infantil?
Considero que a criança é um melhor ouvinte que o adulto. Na verdade, com o tempo, no lugar de melhorar nossa escuta, ela vai piorando. Vamos criando seletividade, preconceitos, fazendo opções que excluem no lugar de somar. Uma criança é um livro aberto, uma página em branco. Devemos preencher essa página com estímulos complexos e não elementares. Tem que ser o contrário do que normalmente se pensa. Por isso é tão importante criar para elas. Considero um dever.
• Como surgiu o programa “Blim-Blem-Blom” da Rádio MEC FM, do Rio de Janeiro? A música para as crianças deve ter alguma peculiaridade, é um público para o qual deve haver um tratamento musical diferente?
Um convite da rádio MEC que veio de encontro a um desejo antigo meu. Como disse na resposta anterior, a música para crianças pode e dever ser complexa, mas sempre lúdica. Essa é a única diferença.
• Você já participou de eventos e campanhas do Movimento “Quero Educação Musical na Escola”: a Lei nº 9.394/96 (art. 26, § § 2º e 6º) está sendo cumprida?
Não, pois não foi regulamentada como deveria. Está muito solta, dando abertura demais em sua aplicabilidade. Mas continua sendo algo muito positivo. Acho se há alguém que devemos agradecer é ao compositor Felipe Radicetti, principal mentor e defensor da lei. É meu colega na Musimagem Brasil (www.musimagembrasil.com).
• Na música clássica, existe atualmente uma produção constante? Há, ainda hoje, grandes compositores sinfônicos e de ópera, por exemplo?
Sim, sempre haverá. Lamentavelmente, ela tem tido cada vez menos espaço, sobretudo em salas de concerto. Isso se deve à falta de sensibilidade e de cultura dos nossos dirigentes. Se há uma coisa que precisa melhorar no Brasil é a sua classe política, como temos visto.
• Pode-se dizer que, historicamente, a composição migrou dos teatros para os filmes e novelas? Se nascessem hoje, Mozart, Beethoven, Wagner e Verdi estariam trabalhando na TV e no cinema?
Costumo dizer isso. Se antes as encomendas eram feitas pela igreja ou pela nobreza, hoje feitas são pelas empresas que trabalham com audiovisual, grandes eventos, etc. Mudou a forma de fazer, mas o ofício continua existindo, felizmente!
• E no Brasil, como está atualmente a composição de um modo geral?
Há e sempre haverá bons compositores e boa música no Brasil. O problema é que a massificação e a comercialização estão cada vez maiores, tirando os espaços onde a música mais elaborada era mostrada. Cabe ao Estado zelar para que isso mude.
• Quais os projetos para 2017?
Em curso está a música para o filme Pluft, baseado na peça de Maria Clara Machado, com direção de Rosane Svartman. Já fiz as canções e aguardo as filmagens para fazer a parte sinfônica, que será também gravada com a Orquestra Heliópolis, parceira em Meu pedacinho de chão, Velho Chico e Dois Irmãos. Esta será mais uma minissérie do Luiz Fernando, com estreia marcada para 9 de janeiro. Este ano ainda estreia uma nova ópera infantil, outra obra baseada um trabalho de Maria Clara Machado, O Boi e o Burro no Caminho de Belém. Estreia no Municipal do Rio no dia 2 de dezembro, com direção de Cacá Mourthé. Para mim é muito importante estrear uma ópera infantil naquela que foi a casa onde eu e meu irmão íamos assistir meu pai cantar.