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Médicos responderão processo por extraírem projétil sem comunicar a polícia
Médicos responderão processo por extraírem projétil sem comunicar a polícia
Prontuário teria sido rasurado para substituir a expressão "projétil" por "corpo estranho"
Prontuário teria sido rasurado para substituir a expressão "projétil" por "corpo estranho"
João Leonel
Na manhã do dia 1º de setembro de 2019, Caique Junio de Souza Soares, baleado numa suposta troca de tiros em Araçatuba, passou por uma cirurgia para retirada do projétil, que ficou alojado em seu quadril, na Santa Casa de Fernandópolis. Caique estava acompanhado de seu advogado, Jair Ferreira Moura.
A vinda ao município foi às pressas, pois o médico Pedro Gomes Barbosa Júnior, que primeiro atendeu Caique em Araçatuba, não teria conseguido extrair a bala.
Pedro então entrou em contato com Ricardo Antonio Bottura Nuevo e Vladimir Tarcísio Delfino de Oliveira, que estavam de plantão na Santa Casa de Fernandópolis, onde a cirurgia foi realizada com sucesso.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, Caique e Moura agiram “em concurso, previamente ajustados e com identidade de propósitos em três oportunidades distintas, prometeram, ofereceram e deram vantagens econômicas indevidas a funcionários públicos”.
Ainda segundo o MP, Ricardo Nuevo, Pedro Gomes e Vladimir Delfino também “agiram em concurso, previamente ajustados e com identidade de propósito”. Neste sentido, a denúncia aponta que os três médicos “solicitaram, receberam em proveito próprio, direta e indiretamente, ainda que fora da função, mas em razão dela, vantagens econômicas indevidas, bem como, em razão dessas vantagens, omitiram atos de ofício e praticaram atos de ofício infringindo dever funcional”, pois nenhum dos médicos envolvidos no caso comunicou a polícia de que o procedimento cirúrgico se tratou da extração de um projétil de arma de fogo.
Ricardo Nuevo é médico legista da Polícia Civil. Além disso, os três médicos são considerados funcionários públicos pelo fato de receberem verba do SUS pelos serviços prestados na Santa Casa, dinheiro público via Ministério da Saúde.
A denúncia foi oferecida no último dia 17.
ENTENDA O CASO
Um inquérito policial foi instaurado, em setembro de 2019, para apurar prática dos crimes de falsidade de documento público, falsidade ideológica, prevaricação e favorecimento pessoal contra Ricardo Antonio Bottura Nuevo e outros, porque participaram da extração de projétil do corpo de criminoso e anotaram falsamente dados da cirurgia em prontuário médico da Santa Casa de Fernandópolis, tendo o investigado Ricardo deixado de agir como deveria por ser membro da Polícia Civil do Estado de São Paulo, médico do Instituto Médico Legal.
Na Comarca de Araçatuba, Caíque Junio de Souza Soares (já condenado por homicídio no passado) foi apontado como autor de tentativa de homicídio (atingindo quatro pessoas), tendo sido também alvejado por disparo de arma de fogo, o que motivou a procura por atendimento médico com o auxílio do advogado Jair Moura, que aparentemente ultrapassou os limites da advocacia, passando a servir como partícipe da fuga do criminoso e de crimes que foram realizados para tanto.
Inicialmente, após, em tese, praticar o crime de homicídio tentado contra mais de uma pessoa, o investigado Caíque foi alvejado por disparo de arma de fogo e na companhia de seu advogado, Jair Moura, foi ao hospital central de Araçatuba, onde possuem alguma influência, porque, logo depois, chegou ao local, o gerente do nosocômio, que encampou a proposta de Jair Moura para que o atendimento fosse sigiloso e a polícia não fosse acionada, tudo à vista de boa quantia em dinheiro.
Na Santa Casa de Araçatuba, o médico investigado, agora denunciado, Pedro, que realizava trabalho em escala de plantão, tentou extrair o projétil, mas não conseguiu, sugerindo que rumassem até a Santa Casa de Fernandópolis, onde também trabalhava como cirurgião.
Os dados dessa cirurgia frustrada foram aparentemente fraudados com o consentimento de todos os envolvidos, constando inclusive identidade falsa do atendido (Caíque foi identificado ora como Elves da Silva Souza), bem como houve um suposto superfaturamento dos valores efetivamente gastos com o procedimento, a ocultar o pagamento pelo favor ilícito.
Em seguida, houve suposta emissão de receita médica falsa por Pedro a pedido do advogado Jair Moura, em nome deste para amenizar dores de Caíque, até que todos fossem a Fernandópolis e pudessem usar a Santa Casa para o novo procedimento cirúrgico.
O atendimento médico e cirurgia realizados em Fernandópolis foram confirmados pelo hospital, podendo ser apurada a forma de anotação dos atos médicos e pagamento, vindo de informações da própria entidade que todos tinham conhecimento de que se tratava de extração de projétil de um criminoso, mas o prontuário foi falsamente preenchido com a expressão "corpo estranho" a pedido dos médicos envolvidos no ato.
O investigado Pedro, médico responsável pela cirurgia realizada em Caíque, confessou parcialmente os fatos, bem como delatou o advogado Jair Moura como mentor de todo o esquema aparentemente criminoso, de algumas falsidades documentais aos pagamentos dos comparsas, e indicou o investigado Ricardo como responsável pela anestesia e expressamente ciente de que a extração fora de um projétil de arma de fogo (disse ser de calibre.40, que é comumente o usado pela Polícia Militar).
Laudo de exame no prontuário aponta que houve rasura para substituir a expressão "projétil" por "corpo estranho", mais uma vez a indicar que todos se mancomunaram para a prática dos crimes em favor de Caíque, porque antes da anotação falsa, houve a anotação correta pelo setor de enfermagem.
O crime de prevaricação pressupõe que a conduta do agente público vise atender interesse próprio ou de terceiro. No caso, com a apuração de que houve o pagamento de quantia para a atuação do investigado Ricardo, como médico, que acabou incluindo na adesão à falsificação de documentos médicos, e na omissão ilícita como policial, em tese, o interesse próprio foi financeiro, a revelar que pode não ter havido o delito do artigo 319 do CP, mas o tipo especial do artigo 317, § 1º, do CP, podendo elevar em um terço a pena prevista para este crime, que é de 2 a 12 anos de reclusão.
Ao tomar conhecimento do fato, a polícia compareceu à Santa Casa, mas Caique havia deixado, não só as dependências do hospital, mas a cidade, no dia seguinte a sua cirurgia; é comum pacientes permanecerem internados pelo menos uma semana após semelhantes procedimentos médicos