ARTIGO
CIRURGIA ELETIVA X CIRURGIA DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA: o lugar da Psicologia no contexto cirúrgico
CIRURGIA ELETIVA X CIRURGIA DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA: o lugar da Psicologia no contexto cirúrgico
Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo
Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo
Os procedimentos considerados de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar representam, para os gestores da saúde, desafios e uma gama importante de responsabilidades, serviços e ações que ofereçam garantia de resolutividade e integralidade da assistência ao usuário dos sistemas de saúde. Em se tratando de cirurgias, elas podem ter caráter eletivo ou de urgência e emergência.
Um procedimento cirúrgico eletivo é o atendimento prestado ao usuário, com diagnóstico e indicação da realização da cirurgia em estabelecimento hospitalar previamente agendada: “Procedimento cirúrgico eletivo é todo aquele procedimento cirúrgico terapêutico executável em ambiente ambulatorial ou hospitalar, com diagnóstico estabelecido e com possibilidade de agendamento prévio, sem caráter de urgência ou emergência” (BRASIL, 2010, Art. 1º, § 1º).
Atualmente, é expressivo o número de cirurgias eletivas estagnadas, o que significa um dos grandes desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) (SENNA et al., 2020). O tempo de espera por esse tipo de intervenção está condicionado às possibilidades de oferta de serviços, estruturas hospitalares (tipo de hospital, leitos disponíveis, capacidade de atendimento da rede pública, experiência do médico e sua equipe), gerenciamento hospitalar, características da demanda, priorização dos pacientes com indicação de urgência ou emergência e suspensão de cirurgias por motivos diversos desde particulares do paciente a processos hospitalares internos (CARVALHO; GIANINI, 2008). Para Senna et al. (2020), o longo tempo de espera por uma cirurgia eletiva repercute no paciente e sua família (traz angústia por não ser tratado de imediato, agravos do estado inicial ou complicações e morte), no médico e hospital (acarreta maior complexidade dos procedimentos cirúrgicos pelo retardo na intervenção inicial), no sistema de saúde e toda a sociedade (aumenta os valores investidos nos procedimentos e no acompanhamento pós-cirúrgico dos pacientes).
Sarmento Júnior, Tomita e Kos (2005, p. 256) e Senna et al. (2020, p. 79) caracterizam uma fila de espera como uma “lista de pacientes que necessitam de um mesmo tratamento ou serviço médico cuja demanda é maior que a oferta [...] sendo chamados um por vez, de acordo com a ordem da fila”. Realidade em muitos hospitais no Brasil, a fila de espera para cirurgias eletivas varia de acordo com as regiões do País e depende dos tipos de procedimentos a serem executados, estrutura e processo (iniciado na consulta ambulatorial na unidade básica de saúde e referenciado para uma unidade de maior complexidade através do sistema de regulação) e intensidade da demanda (SENNA et al., 2020).
Por seu turno, na expressão cotidiana, urgência e emergência, muitas vezes, se confundem e são tratadas como sinônimas, mas apresentam discrepâncias que as distinguem. Situações de emergência e de urgência são “reconhecidas como aquelas em que a pronta atenção médica se faz necessária, muito embora haja diferenças conceituais” entre ambas, tanto para “quem presta o serviço médico [quanto] para quem o recebe”. Tais diferenças não trazem “implicações fatais aos destinatários da atenção médica”, em vista de variações das condições dos casos emergenciais e dos urgentes, além dos eletivos (MENA; PIACSEK; MOTTA, 2017, p. 82).
O Conselho Federal de Medicina (CFM) considera como Urgência a “ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata”, e Emergência como sendo a “constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico imediato” (CFM, 1995, Art. 1º, §§ 1º e 2º). Os Prontos Socorros públicos e privados, em funcionamento ininterrupto à disposição da população, devem estar “estruturados para prestar atendimento a situações de urgência-emergência [...] garantir todas as manobras de sustentação da vida e com condições de dar continuidade à assistência no local ou em outro nível de atendimento referenciado” (CFM, 1995, Art. 1º, caput), proporcionando acesso integral, universal e gratuito à saúde para toda a população (MENA; PIACSEK; MOTTA, 2017). Assim, uma situação de urgência requer atendimento imediato, a necessidade de ação rápida diante de uma ocorrência imprevista que pode comprometer a vida, enquanto emergência surge como algo repentino, inusitado, e aponta para situações críticas ou perigosas que demandam conduta rápida para se evitarem circunstâncias danosas a implicarem risco iminente de vida ou sofrimento intenso (ROMANI et al., 2009).
No contexto cirúrgico, para lidar com a dimensão afetiva/emocional, a Psicologia Hospitalar se qualifica como uma especialidade que “disponibiliza o saber psicológico para doentes, para familiares e para os profissionais da equipe de saúde, a fim de resgatar a singularidade do paciente, suas emoções, suas crenças e seus valores” pela aplicação de teorias e técnicas específicas para a atenção às pessoas hospitalizadas (ALMEIDA et al., 2020, p. 78). São papéis do profissional psicólogo: buscar o entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos (e não causas) em torno do adoecimento, do processo doença-internação, da preparação psicológica dos indivíduos a serem submetidos a procedimentos cirúrgicos; intervir na preparação psicológica que age como redutora potencial da ansiedade e do medo da cirurgia; trabalhar processos que potencializam o agravamento do quadro de saúde do paciente, tais como dificuldades advindas da internação para enfrentamento da cirurgia, isolamento, ausência de contatos afetivos de familiares e amigos, separação da família e sentimentos de abandono, possível perda de autonomia temporária ou não, medo da morte, de sequelas, do procedimento de anestesia e do risco de alta prematura, insegurança diante da perspectiva de reabilitação ou, adversamente, de inviabilização de possível recuperação (TURRA et al., 2011; COSTA JÚNIOR et al., 2012; SIMONETTI, 2016). Assim, a Psicologia Hospitalar não cuida apenas das doenças com causas psíquicas, mas dos aspectos psicológicos de qualquer doença.
A hospitalização, seguida de intervenção cirúrgica, estabelece configurações novas de “ser” humano, de valores morais e existenciais, o que requer reestruturar a mente para viver a hospitalização e a cirurgia. Nessa condição, toda doença vem carregada de aspectos psicológicos, repleta de subjetividade, campo de injunção ao trabalho benéfico da Psicologia Hospitalar. Diante da doença e intervenção cirúrgica, o ser humano manifesta subjetividades como sentimentos, desejos, pensamentos e comportamentos, fantasias e lembranças, crenças, sonhos, conflitos, estilo de adoecer e comportamentos diante do que ele percebe como invasão do corpo (SIMONETTI, 2016). Embora tais aspectos possam configurar-se como causa da doença, desencadeadora do processo patogênico e agravante do quadro clínico, fator de manutenção do adoecimento, ou consequência desse adoecimento, a Psicologia é elaboração simbólica do adoecimento e, ao trabalhar a subjetividade do paciente, ajuda-o a atravessar a experiência do adoecimento, uma vez que uma “cirurgia implica grande impacto sobre o bem-estar físico, social e emocional do paciente, com aumento dos níveis de ansiedade e stress e pelo distanciamento, mesmo que temporário, da rede de apoio social e familiar” (COSTA JÚNIOR et al., 2012, p. 272).
O psicólogo hospitalar abre caminho para uma linguagem clínica acessível ao paciente, e é por ela que ocorre a identificação entre psicólogo hospitalar e paciente cirúrgico: o psicólogo opera como “porta de entrada para um mundo de significados e sentidos” e de “revelações atribuídos ao sintoma e à hospitalização” (ALMEIDA et al., 2020, p. 83). O psicólogo hospitalar visa, em ambiente cirúrgico, tornar esse contexto menos adverso ao paciente diante de uma rotina de medicamentos, exames, consultas médicas e procedimentos que envolvem o ritual do cuidado, no sentido de minimizar a angústia e a tristeza, substituindo-as por diálogos gratificantes.
A presença de um profissional psicólogo na equipe médico-cirúrgica desenha-se como importante ajuda ao cirurgião, uma vez que é capaz de identificar os medos, dúvidas, expectativas do paciente quanto à cirurgia e à recuperação; facilita uma interlocução mais eficiente entre equipe de saúde-paciente; orienta sobre estratégias de cuidados executadas pelo cuidador; identifica situações potencialmente patogênicas; elabora programas preventivos e terapêuticos que auxiliam no resgate da qualidade de vida (SEBASTIAN, 2005). Sua presença em procedimentos cirúrgicos tende a minimizar processos de sofrimento e otimizar os recursos (materiais e humanos) em saúde, reforçando o “humano” do paciente. Trata-se, pois, de agregar conhecimentos da Psicologia e aplicá-los às situações especiais que envolvem processos doença-internação-tratamento permeados pela complexa relação enfermo-família-equipe de saúde.
Acrescenta-se o fato de que qualquer cirurgia pode alterar a imagem corporal do paciente e levá-lo a dificuldades de adaptação, bem como gerar no sujeito problemas na sua relação no mundo. Por isso, pode-se dizer que nenhum paciente está realmente preparado para uma cirurgia, sendo necessária a atuação psicológica oportuna. Conforme Sebastiani e Maia (2005), a atuação do psicólogo é capaz de minimizar a angústia e ansiedade do paciente, favorecer a expressão dos sentimentos e a compreensão da situação vivenciada, proporcionar um clima de confiança entre paciente e equipe de saúde, facilitar a verbalização das fantasias originárias do processo cirúrgico, reorganizar o esquema da consciência do paciente no mundo, revivenciar sua estrutura de personalidade e adaptar-se à nova imagem corporal: trata-se da reconstrução positiva da consciência da própria individualidade.
Psicólogo André Marcelo Lima Pereira
Email: andremarcelopsicologo@hotmail.com
REFERÊNCIAS
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