Figura emblemática da infância, ao menos das pessoas que nasceram quando o circo era a grande atração da cidade, aguardado por crianças e adultos, na ampla tenda que percorria o mundo, cuja chegada era anunciada aos quatro cantos, o palhaço era o destaque da trupe, mesmo em meio às novidades, como grandes animais, quando isso era permitido, as lindas acrobatas, o lançador de facas e alguns mágicos surpreendentes.
Antes mesmo de iniciar as sessões o circo fazia um desfile pelas principais ruas da cidade para apresentar suas atrações, e já nesse momento nosso personagem, contendo seu instinto animal, inerente aos humanos, travestido de outro ser, virava piruetas e exercia a mágica de fazer sorrisos nos rostos de crianças e adultos.
Como de costume, vou falar sobre a etimologia das palavras envolvidas em nossa digressão pelo mundo daquela figura. Duas palavras são utilizadas modernamente, mesmo em português, para se fazer alusão ao cômico personagem: clown e palhaço.
Clown, do inglês, assim como seus equivalentes em outros idiomas de origem germânica, tem seu significado ligado ao termo camponês “clod”, ao rústico, à terra. Excetua-se o francês, de origem latina, que também usa o vocábulo originado de clown. Diferentemente, palhaço tem sua etimologia no idioma italiano, trazida da palavra pagliaccio, de paglia, “palha”, a qual era usada para encher suas roupas coloridas e deixá-las mais alegres.
Alguns estudiosos fazem distinção entre os dois termos, dando a impressão de clown ser algo mais requintando, do mundo do teatro e dos palcos, onde o clown é uma simbiose da máscara da Commedia dell’Arte, simbolizada pelo improviso, e da tradição farsesca francesa e anglo-saxônica, por isso, caracterizado como possuidor de um humor sutil e uso de vestimentas mais comuns com pequenos toques extravagantes, lembrando Chaplin, o Gordo e o Magro, Jerry Lewis e nosso Mazzaropi, enquanto o palhaço seria dono de um humor mais pastelão e brincalhão, com jeito mais divertido e extravagante, usando vestimentas mais espalhafatosas, mais desastrados e sem qualquer sutileza e mais ligados ao circo, ao picadeiro.
Dentro desses dois tipos existem as subcategorias: o branco e o augusto. O augusto é o coadjuvante, o bobão, o ingênuo, manipulado pelo Branco, que encarna o “chefe”, o sabe-tudo. Mas branco acaba demonstrando seu lado fraco, o ridículo que habita em todos nós. E de repente o augusto surpreende, mostra-se genial, essa genialidade que também em todos nós se encontra adormecida, segundo o escritor Gabriel Perissé. Para mim, tudo é uma palhaçada só.
Aliás, o termo palhaçada, derivada da palavra palhaço, usada pejorativamente em português com ideia daquilo que é ridículo, bobo, até inconcebível, referindo-se a uma situação qualquer não agradável. Derivação que deveria ser utilizada apenas para fazer alusão ao agrupamento de palhaços, pois o palhaço não tem nada de ridículo, muito menos o de fazer alguém de bobo.
O palhaço é o ser que traz alegria a qualquer um. Ele é capaz de aliviar o sofrimento e fazer esquecer, mesmo que um breve espaço de tempo, as tragédias da vida real. É o mais democrático dos seres. Não discrimina ninguém. Faz sorrir a pessoa de qualquer cor, idade, posição social, categoria financeira, índole: boa ou ruim. É Capaz de provocar gargalhada no mais inocente e, ainda que espremida no canto da boca, no mais bandido dos homens.
Dizem que por detrás de toda máscara de palhaço há sempre um homem triste. Algum pode haver, pois a felicidade unânime é improvável. Mas, ainda, se houver angústia dentro daquele ser será por uma única razão: para provocar risos e sorrisos é preciso entrar na dimensão boa da alma das pessoas e só quem consegue fazer isso é uma outra alma com sensibilidade suficiente que, de tão sensível, chega a ser permeável, e, quando leva a alegria, traz de volta as mazelas do outro ser, sente as injustiças do mundo, reconhece e descobre a existência o mal, e, assim, talvez, ele se entristeça porque o mundo feliz que ele cria dura minutos ou horas, não sendo tempo suficiente para transformar aquelas outras almas. Se ele pudesse ser como o vampiro, transformaria todos em palhaços de almas sensíveis e permeáveis.
No calendário ele têm apenas do dia 10 de dezembro, mas no picadeiro, no palco, no circo ou no teatro todos os dias são deles. Onde vão continuar brincando de ser verdadeiros, como disse Charles Chaplin: “Se tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando, falei muitas vezes como um palhaço mas jamais duvidei da sinceridade da plateia que sorria”.