MARINE LE PEN
O crescimento do eleitorado de extrema-direita na França e a análise política para além dos resultados eleitorais
O crescimento do eleitorado de extrema-direita na França e a análise política para além dos resultados eleitorais
Por João Eduardo de Lima Carvalho
Por João Eduardo de Lima Carvalho
Emmanuel Macron foi reeleito presidente da França no último domingo, dia 24/04, recebendo 58,6% dos votos válidos, contra 41,4% da candidata de extrema-direita, Marine Le Pen. Mesmo assim, isto liga (ou pelo menos deveria ligar) um alerta sobre a onda de extrema-direita que (ainda) encontra-se bem presente no cenário político de várias nações ao redor do mundo. E isto comprova que a teoria de que esta extrema-direita estava perdendo folego com a derrota de Trump não estava tão correta assim.
Pode parecer uma análise ruim, tendo em vista que a candidata francesa não obteve a vitória, mas é necessário entender o que Marine Le Pen representa.
Devemos começar pelo básico: Marion Anne Perrine Le Pen (mais conhecida como Marine Le Pen) é a atual presidente do Rassemblement National (antigo Front National), um partido de extrema-direita da França. Ela também é filha de Jean-Marie Le Pen, um dos idealizadores e fundadores do Front National, conhecido por ter inúmeras defesas ao racismo, xenofobia e antissemitismo. Por exemplo: em 1987, ele defendeu o isolamento total dos portadores de HIV. Em outra ocasião, antes da copa do mundo de 2006, ele também afirmou que o povo francês não reconhecia a seleção francesa de futebol porque ela possuía muitos jogadores negros. Em 2014 ele também afirmou que o vírus Ebola seria uma “solução” para a explosão demográfica na França e o risco de um colapso imigratório. Também em 2014, afirmou que deveria fazer uma ‘fornada” quando artistas de origem judaica se recusaram a se apresentar em cidades governadas pelo seu partido. Fornada é uma clara alusão aos campos de extermino nazistas, principalmente na questão da incineração de Judeus. Aliás, Jean-Marie Le Pen nega o holocausto.
Marine Le Pen é uma construção política de Jean-Marie e, portanto, obviamente defende as mesmas ideias de seu pai. Apesar de possuir alguns posicionamentos menos extremistas (ou eleitoralmente mais aceitável), Marine é uma importante figura da extrema-direita em nível mundial. Em primeiro lugar, Marine Le Pen não pertence ao seguimento tosco da Extrema-Direita, muito diferente de Bolsonaro, portanto. Marine é advogada, formada em uma das mais respeitáveis universidades francesas, a Universidade Pantheon-Assas (que foi criada para suceder a faculdade de Direito e Economia da Universidade de Paris – Sorbonne). E possui mestrado em Estudos avançados em Direito Penal. Também tem uma facilidade enorme em conquistar votos de pessoas que não tem interesse na política, justamente porque oferece uma solução fácil e rápida para expressar a raiva em relação ao Estado, Sociedade e minorias ditas como responsáveis por problemas crônicos na França.
Mesmo com um discurso suavizado, a história de Marine Le Pen não deixa qualquer margem para outra interpretação de sua visão política: a extrema-direita com todas as características (racismo, xenofobia, homofobia e antissemitismo). Marine já comparou a imigração islâmica na França à ocupação nazista na Europa. Marine já defendeu a substituição do Euro pelo Franco (antiga moeda da França antes do Euro), também afirmou que a União Europeia é uma máquina de moer e matar países. E aqui temos um ponto importantíssimo para uma característica marcante da proposta eleitoral de Marine Le Pen: o euroceticismo, que basicamente significa a desconfiança acerca da União Europeia. Precisamos lembrar que o brexit (a saída do Reino Unido da UE) é uma vertente extremista do euroceticismo. Marine Le Pen já defendeu, no passado, a saída da França do bloco, o que, muito provavelmente seria o fim da União, considerando a saída do Reino Unido e da importância econômica e política da França.
Naturalmente surge o pensamento: “mas ela foi derrotada! ”
E foi mesmo, no entanto é necessário analisar a participação dela nas últimas disputas eleitorais. Marine disputou três eleições presidenciais: 2012, 2017 e 2022. Na primeira, ficou em terceiro lugar na disputa, com 17.9% dos votos validos, representando quase 6,5 milhões de eleitores. Em 2017 ficou em segundo lugar, com 21.4% no primeiro turno (mais de 7,5 milhões de votos) e com 33.9% no segundo turno, que representa mais de 10,5 milhões de votantes. Em 2022 voltou a ficar em segundo lugar na disputa em primeiro turno, com 23.2% dos votos válidos (quase 8,2 milhões de votos) e, no segundo turno, 41,4% (mais de 13 milhões de votos).
A partir desses dados podemos chegar em algumas conclusões: Mesmo com propostas e declarações polemicas e extremistas, Marine Le Pen consegue não só manter seu eleitorado, como aumenta-lo consideravelmente em cada pleito. E a existência de uma candidata extremista, bem articulada, com um sobrenome politicamente forte e com essa expressão de votos é muito preocupante, especialmente em uma sociedade como a francesa, que possui o costume de flertar com extremismos (vide a complacência de parte da elite econômica, política e militar durante a ocupação nazista na França).
Macron pode ter vencido a disputa eleitoral, mas a liberdade, igualdade e fraternidade francesa continua distante e, quiçá, utópica. O Rassemblement National de Marine Le Pen pode, muito bem, se transformar na próxima (e tenebrosa) parada da République.
João Eduardo de Lima Carvalho é advogado pós-graduado em Direito Eleitoral, Consultor e Estrategista Político e Jornalista (inscrição no ME nº o 0092813/SP). Endereço Eletrônico: eduardocarvalho1293@gmail.com
Reside em Jales/SP