Será que você ainda se lembra dos meses de janeiro da sua infância?Particularmente, para mim, ele sempre foi o melhor dos meses nos meus primeiros anos de férias escolares, mesmo sendo o eterno mês da chuvarada, o principal mês da “Estação das Águas”,como dizia o povo de antigamente.
Apesar da chuvarada intermitente, nós sempre encontrávamos um jeito de garantir diversão, principalmente nas férias, quando o tempo para arrumar encrencas e fazer“artes” era dobrado. Aliás, a gente fazia coisas do arco-da-velha,que deixariamos pais de hoje em dia de cabelo sem pé e as crianças de agora, com a boca aberta e incrédulas.Justiça seja feita: a gente sabiadas coisas.
Aprendemos quebrando a cara, destroncando dedões e ganhando cada“galo”, que dava gosto. Fora as raladas nos joelhos e nas canelas, que eram coisas normais.Nada que um bom “Mercúrio-Cromo”,não desse jeito.Claro, a gente era sapeca elevado da breca porque tomava Biotônico Fontoura, que dava um apetite de leão; Toddye Emulsão Scott, que davam um “muque danado”.
Tomar banho de chuva, soltar barquinhos de papel e brincar na enxurrada, era a alegria da molecada e o desesperodas nossas mães, até porque,a roupa ficava encardida, não tinha Rinso e Anil que dava jeito. E a gente ficava marrom de barro, da cabeça aos pés.E quantas sovas e castigos nós levamos por conta dessastra quinagens... Nadar na enxurrada era tão bom que valiaa pena tomar meia dúzia de “cintadas”.
Até quando ficávamos presos dentro de casa, sem poder botar os pés na rua, por contada chuva ou de algum castigo,a gente dava um jeito e arrumava diversão. Os meninos das famílias abastadas tinham os caríssimos jogosde futebol de botão. Nós tínhamos o nosso jogo de “futebolde pregos”, que a gente mesmo fazia. Bastava arrumar Quem nunca tomou banho na chuva?uma tábua de uns 30x60cm,um martelo e uns cinqüenta pregos e um rolo de barbante..
Primeiro a gente fazia a marcação do “campo” com lápis de carpinteiro, depois o alambrado,com pregos e cercado com barbante para a bola (degude, revestida com um bicode chupeta) não sair, e aí era só pregar os 22 jogadores (pregos) distribuídos pelo campo, cada um na sua posição.
E com uma pazinha de sorvete de casquinha, a gente tocava a bola. Pronto, a diversão estava garantida. As férias eram uma festa o dia todo, a semana inteira! Levante a mão quem nunca brincou de salva-pega, ricotrico,barra-manteiga, esconde-esconde,campeonato decuspe à distância, de faroeste,de subir em árvores e imitaro Tarzã, de empurrar pneu de circo, de caçar vagalumes,de futebol com bola de meias,de jogar pião, de bater bétias, de luta livre ou bolinha de gude? Nunca brincou de gringalha?“Gringaia, Martim corta a paia, paia, paió, quem escapáé o mió!”Também levante a mão, quem nunca teve uma coleção de gibis, de álbuns de figurinhas,de moedas, de selos, demarcas de cigarro, de bolinhas de gude e até bilhetinhos secretos.
Vai dizer que você também nunca tomou banho derio escondido dos seus pais? A meninada do meu tempo era fogo-no-boné-do-guarda.Acredite se puder, mas a gente descobriu, não me pergunte como, que se depois do banho de rio, se rolássemos na areia, não ficariam marcas nos braços e nas pernas, quando nossas mães, mais que desconfiadas,passavam a unhana nossa pele; se ficasse um risco branco, pronto; a gente estava frito!
Lembro que um belo dia reunimos a turminha e inventamos de fazer nossa primeira pescaria.Todo mundo “catatau”, todo mundo marinheiro de primeira viagem. Pegamos “emprestadas”as varinhas de pesca de nossos pais e marchamos heroicamente,rumo à maior de todas nossas aventuras; pescarno ribeirão Santa Rita! E lá fomos nós, passando pelo pasto da Fazenda Cáfaro, cheio devacas, onde hoje é o Jardim Rio Grande, também conhecido como bairro da Cesp.
Na baixada ficava o Santa Rita, então de águas cristalinas,cheio de lambaris. Do lado esquerdo ficava a grande horta da Família Nakazone e abaixo, na direção da antiga Avenida Sete, haviam alguns poços, dois deles rasos, mas bem largos, onde aprendemos por conta própria, nossas primeiras braçadas e mergulhos.
Nesse dia, justo na nossa primeira pescaria, um dos meninos da turma fisgou uma enorme enguia. Quando ele tirou aquela “cobra grandona”de dentro d’água, todo mundo saiu correndo, inclusive ele. Um dos membros da família Nakazone que passava pelo local, vendo a correria e a gritaria da molecada, resolveu conferir de perto o que estava acontecendo. E quando viu a tal cobra, rindo muito, fez uma proposta inusitada; “Querem trocar por agrião e alface?”Incrédulos, aceitamos a proposta e chegamos em casa com maços e maços de agrião e alface.
Complicado mesmo,foi explicar para nossas mães que a gente tinha “pescado uma cobra” e um japonês maluco, trocou ela por aquele monte de verduras. Claro que a gente ainda não sabia que enguia é um peixe, muito apreciado por sinal, para um bom e caprichado sashimi.Semana que vem a gente volta. Até lá.