O momento que transformou o legado do Papa Emérito Bento XVI e talvez de sua Igreja, quase passou despercebido.
O então Papa estava encerrando o que um repórter descreveu como uma cerimônia de rotina “extremamente banal” com os cardeais do Vaticano em 11 de fevereiro de 2013, quando anunciou, em latim, que havia tomado uma decisão de grande importância para a vida da Igreja.
O teólogo, nascido na Alemanha, com 85 anos na época, disse ter examinado repetidamente sua consciência diante de Deus e ter concluído que o mundo moderno, “sujeito a tantas mudanças rápidas e abalado por questões de profunda relevância para a vida de fé”, exigia um Papa em melhores condições físicas e intelectuais. “Minhas forças,
devido à idade avançada, não são mais adequadas” disse ele.
Muitas pessoas na reunião não entendiam latim, olhares confusos foram trocados até que o significado daquelas palavras fossem entendidas. Para o Cardeal Ângelo Sodano, as palavras de Bento XVI foram como “um raio em um céu azul claro”, um repórter na sala começou a chorar.
A primeira renúncia do líder da Igreja Católica Apostólica Romana em quase 600 anos, deixaria uma marca no mundo moderno, acentuando a mudança de época em que estamos inseridos. Com sua renúncia, Bento XVI admitiu suas próprias limitações humanas e sua incapacidade de administrar uma igreja diante de crises existenciais.
Depois de ser por décadas o guardião da ortodoxia do Vaticano e uma barreira contra mudanças, primeiro como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, depois como pontífice, Bento XVI encerrou sua carreira como um verdadeiro revolucionário.
Era amplamente visto como a maior força da Igreja contra as pressões do secularismo e do relativismo. Seguindo no lugar de João Paulo II, esperava-se que ele continuasse fortificando um catolicismo explícito e unicamente conservador, contudo, para surpresa de todos, Bento XVI presidiu os aproximadamente 1,1 bilhão de católicos do mundo com um toque mais gentil.
David Gibson, diretor do Centro de Religião e Cultura da Universidade Fordham, que escreveu uma biografia do pontífice, aponta que seu objetivo principal era promover a fé como uma espécie de fundamento para todas as outras coisas, não estando “interessado em reformar a igreja ou abrir a igreja para coisas novas. Mas querendo voltar ao básico, pois, a devoção, a piedade, a fé vinham em primeiro lugar.”
Em seu pontificado, Bento XVI escreveu três encíclicas, a primeira, Deus Caritas Est, “Deus é amor”, sobre o amor e a caridade que buscam expressar crenças que são comuns a todos os seres humanos. Em sua segunda, Spe Salvi, “Salvos na Esperança”, ele destacou que as tentativas de banir Deus “levaram às maiores formas de crueldade e violações da justiça… Um mundo sem Deus é um mundo sem esperança”.
Na sua terceira encíclica, Caritas In Veritate, “Caridade na Verdade”, ele criticava o sistema econômico internacional e pedia uma estrutura global baseada na responsabilidade social, na preocupação com a dignidade do trabalhador e no respeito pela ética.
Bento XVI via o relativismo como o principal desafio enfrentado pela Igreja Católica que deveria reafirmar a verdade objetiva, com a pessoa de Jesus como ponto central. Antes de ser eleito pontífice, ele condenou a “ditadura do relativismo” por “não reconhecer nada como certo e ter como objetivo maior os próprios egos e desejos”. Um ex-correspondente do Vaticano apontou que “o centro do papado de Bento XVI é a luta contra a ditadura do relativismo”.
Um grande estudioso e rocha de certeza moral que passou a vida inteira defendendo a verdadeira fé, Bento XVI, fez sua Páscoa definitiva no último dia do ano de 2022, suas últimas palavras “Senhor, eu te amo” nos guiam para o que sempre deve reinar em nossas vidas, ainda mais agora neste novo ano que se inicia, para deixarmos a fé, a esperança e a caridade invadirem nossos corações no mundo.
Jales, 5 de Janeiro de 2023