Cruel, desumana, violenta e uma das mais longevas da história, a escravidão no Brasil teve motivações econômicas, mas suas consequências foram terríveis para os escravos e se fazem sentir até hoje em nosso país na forma de racismo e discriminação social que atingem seus descendentes.
Inicialmente, os portugueses que colonizaram o nosso país escravizaram os índios para suprir a necessidade de mão de obra para a extração do pau-brasil, mas, por vários motivos, a continuação deste processo não foi possível. Os índios conheciam bem o território, melhor que seus algozes portugueses, o que facilitavam as fugas; também não estavam culturalmente adaptados ao trabalho em atividades agrícolas de larga escala, e, por fim, o aprisionamento de índios era uma atividade interna, que não gerava lucro aos portugueses, já a captura e o comércio intercontinental de escravos africanos garantiam importantes dividendos aos mercadores lusitanos. Por isso, os nossos colonizadores optaram em substituir os índios pelos africanos, que foram trazidos, à força, em navios negreiros provenientes da Guiné, Costa do Marfim, Angola, Congo, Moçambique e Benin.
Não se têm registros históricos precisos de quando a escravidão dos africanos iniciou-se no Brasil, porém, a hipótese mais aceita é a de que em 1538, Jorge Lopes Bixorda, arrendatário de pau-brasil, teria traficado para o estado da Bahia os primeiros escravos africanos. Estima-se que, em mais de 340 anos de escravidão no país, cerca de quatro milhões de negros foram trazidos do continente africano para o território brasileiro. A propósito, nenhum país importou mais escravos que o Brasil.Para aprisioná-los, inicialmente, os portugueses promoviam invasões às aldeias. Posteriormente, passaram a incentivar a luta entre tribos rivais para, posteriormente, negociar com os vencedores a troca dos derrotados por panos, alimentos, cavalos e munições.
O inferno vivido pelos escravos iniciava-se já no transporte da África para o Brasil a bordo dos famosos navios negreiros. A sujeira, os maus-tratos e a má-alimentação matavam metade dos escravos transportados. Em 1854, o abolicionista americano Samuel Moore publicou as memórias de Mahommah Gardo Baquaqua, ex-escravo, libertado nos Estados Unidos após três anos de trabalhos forçados em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Trata-se do único relato em primeira pessoa sobre a trajetória de um africano escravizado em terras brasileiras conhecido até hoje. Baquaqua assim relatou a viagem a bordo de um navio negreiro, do qual ele conheceu pessoalmente: “Imagino que, em toda a criação, haja apenas um lugar mais horrível do que o porão de um navio negreiro, e esse lugar é aquele onde os donos de escravos e seus lacaios muito provavelmente se encontrarão algum dia”.
Quando chegavam ao Brasil, os escravos africanos eram negociados como mercadorias em praça pública, pois, naquela época, os homens brancos os consideravam animais de sua propriedade, tanto que os incluíam nos inventários como bens semoventes integrantes de uma fazenda, juntamente com cabeças de gado e demais criações, ou seja, um verdadeiro absurdo e uma desumanidade total.
É claro que eles se rebelavam, sendo a fuga o principal meio de buscar a liberdade, refugiando-se em comunidades formadas por outros escravos fugitivos, chamadas de Quilombos. No entanto, quando o escravo fugitivo era capturado, as punições impostas a ele eram comparadas às piores torturas medievais, dentre as quais, o tronco era um dos mais cruéis castigos impostos aos escravos “rebeldes”. Amarrado ou acorrentado a um tronco de madeira, reto e com 2 metros de altura, o escravo tinha suas costas e pernas dilaceradas por 20 a 100 chicotadas geralmente dadas pelo feitor ou capataz da fazenda, acontecimento sempre presenciado por outros escravos, a fim de intimidá-los. Muitos escravos morriam durante o castigo, e os que sobreviviam eram obrigados a banhar-se na salmoura (uma banheira com uma solução de água e sal que acelerava o processo de cicatrização dos ferimentos, e claro, causava uma dor inimaginável).Além do tronco, outras formas de punição eram comuns, como relatou o abolicionista Burle Mac: “Torniquetes, presos nas mãos e no pescoço, polegares perfurados, e muitos outros instrumentos de punição são comuns em nossas plantações. Em algumas províncias, os escravos são expostos, a noite inteira, amarrados a uma estaca e sentados sobre um formigueiro”.
Havia donos de escravos extremamente perversos, como o barão de Cajaíba, dono do engenho Cajaíba, próximo à cidade de Santo Amaro, no estado da Bahia. Há relatos de que, certa feita, alguém foi visitá-lo e comentou como os seios de uma escrava eram bonitos. Então, para agradar o visitante, o Barão, ao final de uma refeição, mandou arrancar os seios da escrava, oferecendo-os em uma bandeja ao visitante.Barbárie pura, monstruosidade sem tamanho.
A rotina de trabalho de um escravo nas lavouras de cana-de-açúcar do Nordeste, nas culturas de café na região Sudeste e nas minas de ouro no estado de Minas Gerais, era extremamente pesada. Os maus tratos, as excessivas horas de trabalho e a má alimentação reduziam a expectativa de vida de um escravo para, no máximo, dez anos.
Sem se ater aos detalhes históricos que levaram ao fim da escravidão no país, no dia 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi assinada pela princesa Isabel e, com isso, foi abolida, oficialmente, a escravatura no Brasil. No entanto, o chicote e o tronco, atualmente, são invisíveis e persistem na forma de preconceito racial e discriminação social pelos quais sofrem os descendentes dos escravos africanos.
Não podemos nos esquecer de que devemos grande parte das riquezas produzidas em nosso país, na era colonial e do império, principalmente, ao trabalho duro imposto aos escravos, e, também grande parte da cultura brasileira, que foi muito influenciada pelos costumes africanos. Em suma, o Brasil tem uma dívida histórica com os afrodescendentes, que são os descendentes daqueles quatro milhões de escravos que foram trazidos à força para o Brasil.
Que o dia 20 de novembro, dia da consciência negra no país, sirva para lembrara os brasileiros a respeito dessa mancha indelével na história do país que foi a escravidão.