O.A Secatto
Aurélio, depois de muita insistência da mulher, marcou consulta com o psicólogo. “Vai ser bom pra você, querido.” Ele ainda não concordava — afinal, que tinha de errado em ser calado? —, mas foi. Casado havia dezessete anos, sabia que era mais fácil não contrariá-la. Bem mais fácil. No consultório, foi sentar e se afundou no único sofá velho que havia na sala de espera. Suspirou. “Isso não vai dar certo...” Olhou para o lado. Uma mesinha. Após passar por uma montanha de revistas de todas as associações e sociedades de psicologia possíveis, encontrou uma Veja. Do ano anterior. No chão, um exemplar de Caras sem capa. Lembrou-se do Ziraldo e sua revista Bundas. — Senhor Aurélio — anunciou a secre
tária, com o olhar alto, como se o procurasse. Ele olhou em volta. Não entendeu o tom solene da secretária. “Só tem eu aqui...” Mas não comentou nada. Ao entrar na sala, deparou-se com uma versão tupiniquim do Christopher Walken — e seu cabelo impenteável. A sala estava meio escura. “Deve ser para dar o clima”, brincou consigo mesmo. — Por favor, seu Aurélio — o psicólogo indicou um divã. O Aurélio pensou na mulher: “Essa Margarida me paga.” Talvez tivesse sido melhor contrariá-la. Só desta vez. O médico conversou um tanto lá com ele. Perguntas de praxe. Depois, disse: — Seu Aurélio, nesse nosso primeiro encontro, vamos fazer um exercício bem simples. De associação. — Tá. — Funciona assim: eu digo uma palavra e o senhor me diz a primeira coisa que vem à mente. Certo? — Tá. — Então, vamos lá. Casamento. — Tédio... — o Aurélio achou ter sido sincero, mas um pouco exagerado; acrescentou — Necessário. — Hum... — deixou escapar o psicólogo, como se aquilo fizesse algum sentido. Retomou. — Maçã.
— Eva... E a cobra. — Morcego. — Batman. O médico parou um segundo, olhando fixo para o Aurélio. Talvez uma desconfiança nas respostas. Continuou. — Mulher. — Que não seja a minha. — Margarida. Ele se lembrou da mulher. — Pula essa. — Certeza? — Certeza. — Muito ruim? — Mais ou menos. — Muito bem. Faustão. — Hã? O Aurélio não acreditava naquilo, ou em como aquilo pudesse “ser bom pra ele”. Não era bom ele ser calado? Afinal, só ela falava em casa. Sempre fora assim. E desde que vira o padrão Christopher Walken do cabelo do doutor, não botara fé no que vinha. O psicólogo insistiu. — Faustão. — Tá. Camisas ridículas. — Que mais? — Gordo, domingo, não deixa ninguém falar... — Mas o Faustão não é mais gordo. — Nem mais, nem menos. Só o mesmo tanto de sempre. Já viu a cara dele? O médico balançou a cabeça, como que acabasse concordando. Prosseguiu. — Bach, Beethoven e Brahms. — Huguinho, Zezinho e Luisinho.
— Que isso? — O quê? — Tá brincando? — Tô. Mas foi você que começou... Ficou um silêncio no ar. O médico, com a prancheta na mão, fixou o olhar no nada, sem reação. O Aurélio, com as mãos juntas, os dedos trançados e os dedões num duelo incessante um contra o outro, suspirou. Mas continuaram. Ao fim da sessão, o médico se despediu do Aurélio e, enquanto apertava-lhe a mão, pensava: “Esse não vai ser fácil. Espero que ele não volte.” O Aurélio, sorrindo, concluiu em pensamento: “Eu é que não volto aqui...” Chegando em casa, a Margarida já foi perguntando ao marido. — E aí, querido, como foi lá? — Bem, bem. — Deu certo, então? — Ô! — E o que ele disse? — Que quer conhecer você. Já deixei seu horário marcado. Tenho certeza de que vai ser bom pra você, querida...