SOCIOLOGIA

O HOMEM DOS TEMPOS MODERNOS

O HOMEM DOS TEMPOS MODERNOS

Morte do sociólogo Zygmunt Bauman demonstra incansável legado investigativo sobre o contemporâneo

Morte do sociólogo Zygmunt Bauman demonstra incansável legado investigativo sobre o contemporâneo

Publicada há 7 anos

Por Gil Piva


Morreu no último dia 9 o sociólogo Zygmunt Bauman, um homem cuja vida já daria um ótimo ponto de vista sobre os principais temas da sociedade pós-moderna. Polonês, Bauman emigrou de seu país por ter livros e artigos censurados em 1968, o que acabou também porafastá-lo da Universidade de Varsóvia, onde ocupava a cátedra de sociologia geral.

Daí em diante, não pouparia esforços para questionar os meandros das forças de poder que afirmam o comportamento tanto intelectual quanto social do mundo.Entre seus livros que remontam essa ordem de forma prodigiosa — um contraponto à censura que sofreu — está o Modernidade e Holocausto(1989), ressaltando os  fenômenos que pairam sobre a (in)compreensão da sociologia em volta com aspectos reduzidos da história.

Mas o trabalho de Bauman ficou conhecido mesmo pelo conceito “líquido”, forjado para melhor explicar as fragilidades das relações da vida moderna, da profundidade do pensamento, das consequências da globalização, da fragmentaçãoda vida em comunidade, etc.

Embora nem todos seus livros sejam para iniciantes, tinha tino para a oratória. Suas entrevistase palestras eram cativantes. Falava com enorme clareza, sempre pronto para selar qualquer tipo de assunto ou pergunta — que jamais deixava sem resposta. Outro fato raro foi a forma como muitos de seus livros se tornaram best-sellers;obras como Modernidade Líquida,O Mal-Estar da Modernidade,Amor Líquido, Ensaios Sobre o Conceito de Cultura etc. caíram na graça acadêmica e no gosto popular.

É surpreendente que um pensador e escritor, com mais de 70 livros publicados, na casa dos 90 anos de idade, ainda escrevesse e viajasse o mundo debatendo a modernidade. Para se ter uma ideia, Bauman publicou no ano passado o livro Estranhos à Nossa Porta, retomando a questão da violência e da guerra que obrigam as pessoas a pedirem refúgio. Suas observações partem do óbvio de que esse ato migratório é, de tempos em tempos, incontornável.

Pouco antes de Estranhos à Nossa Porta,o sociólogo já tinha tocado num ferida similar com o livro Entrea Incerteza e a Esperança. Bauman discute as incertezas do capitalismo mediante a sensação estabelecida por uma conectividade virtual,entoando a falsa certeza de que assim haveria mais participação social na política, o que, do outro lado, embora isso seja próprio do mundo globalizado,nenhuma nova instituição ou ideologia se firma e, portanto, os problemas continuam os mesmos: produzidos e resolvidos localmente.

É possível dividir a obra de Bauman em duas partes: antes dos anos 1990, cujos livros são de teor historiográfico, e após os anos 1990, voltados para reflexões a partir da ética. Vendo por este prisma, fica mais fácil ver o homem por trás do campoteórico e as fronteiras temporais de seus debates.

Para expressar como os laços humanos se liquefazem na circulação das redes sociais,Zygmunt Bauman escreveu uma frase interessantíssima em seu livro AmorLíquido: “Pertencemos à conversa, não àquilo sobre oque se conversa”.

Dessemodo, Bauman não só via a crise do mundo moderno e suas ambivalências, via principalmente a crise ética e moral da sociedade, o que fazia dele um homemque “pertencia àquilo sobre o que se conversa”, e senhor dos tempos modernos.


 

* GIL PIVA É COLUNISTA DO CADERNO CULTURA!,PROFESSOR E MESTRE EM EDUCAÇÃO PELA UEMS

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