MINUTINHO
O tempo e as jabuticabas
Por: Rubem Alves
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltavam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral ou semelhante bobagem, seja ela qual for.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de Deus.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena. Basta o essencial!
CRÔNICA
A humildade salva
Por: Autoria desconhecida
Carlos trabalhava numa fábrica de distribuição de carne, uma espécie de frigorífico. Um dia, quando terminou o seu horário de trabalho, foi a um das câmaras frias para inspecionar algo, mas num momento de azar a porta bateu e fechou-se. Ele ficou trancado lá dentro.
Ainda que tenha gritado e batido na porta com todas as suas forças, jamais poderiam ouvi-lo. A maioria dos trabalhadores já tinha ido embora, e no exterior da arca frigorífica, era impossível ouvir o que estava acontecendo lá dentro.
Cinco horas mais tarde, quando Carlos já se encontrava à beira da morte, sem forças para qualquer ação, alguém abriu a porta. Era o segurança da fábrica. Ele salvou a vida de Carlos.
Após algum tempo, já reestabelecido, Carlos perguntou ao segurança como foi possível ele passar e abrir a porta, se isso não fazia parte da sua rotina de trabalho. Então ouviu a seguinte explicação:
- Trabalho nesta fábrica há 35 anos. Centenas de trabalhadores entram e saem a cada dia, mas você é um dos poucos que me cumprimenta pela manhã e se despede de mim à noite. Muitos me tratam como se eu fosse invisível. Como todos os dias, você me disse ‘olá’ na entrada, mas hoje, curiosamente, não tinha ouvido o seu ‘até amanhã’. Espero o seu ‘olá’ e ‘até amanhã’ todos os dias. Para você eu sou alguém. Ao não ouvir a sua despedida, eu sabia que algo tinha acontecido. Procurei e encontrei.
Imagem: Ilustração