Artigo: O custo e o casto Brasil
Por: Gaudêncio Torquato
- Falam tanto nesse tal de ‘custo Brasil’ e eu cada vez mais preocupado com o casto Brasil.
A estocada é da lavra do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e, também, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, hoje advogado militante, a partir de Brasília, Carlos Ayres Britto. O sergipano é também poeta e, durante o seu ciclo nas altas Cortes, usou com criatividade seu dote no manejo poético da língua portuguesa.
Pinço o pensamento do ex-ministro para jogar no tabuleiro a mais recente polêmica da vida política, o julgamento do hoje senador e ontem juiz, Sérgio Moro, cuja passagem pela fogueira da Lava Jato deixou alguns feridos, dentre eles, o próprio mandatário-mor do país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Condenado pelo então juiz, Lula ganhou um salvo conduto do Supremo, que anulou as condenações. Daí a pergunta: estamos preocupados no momento com o custo Brasil ou com o casto Brasil?
Recordando: Lula estava preso e foi solto em 8 de novembro de 2019 por ordem do juiz Danilo Pereira Júnior, da 12ª Vara Federal de Curitiba. A decisão levou em conta uma mudança de posição do STF a respeito da prisão em segunda instância. A Corte alterou uma jurisprudência que prevalecia desde 2016, entendendo que réus só podem ser presos após o trânsito em julgado do processo, isto é, quando não couber mais recursos. Lula foi eleito e teria dito, certo dia, que seu sonho era f.... Sérgio Moro.
Sob esse pano de fundo, voltemos ao presente. O julgamento de Sérgio Moro, pela Corte de Curitiba, está empatado em 1 a 1, recebendo voto do relator, o juiz Luciano Carrasco Falavinha, contra a cassação, e a favor, do desembargador José Rodrigo Sade. Se lembrarmos que este foi nomeado por Lula para integrar a Corte paranaense, e se puxarmos o desabafo do presidente sobre a pendenga com Sérgio Moro, a inferência se faz óbvia: há um viés político nesse julgamento, cujo desfecho ocorrerá na alta esfera do TSE ou, até, no STF.
Por que o viés político? Direto ao ponto: porque atribuir a um candidato gastos elevados numa pré-campanha é algo muito subjetivo. O que seriam recursos elevados e gastos moderados? Ao correr dos anos, o dinheiro tem se firmado como alicerce do edifício da política. Não se entra ou cresce na seara da vida pública sem o som da moeda. Gastam-se em campanhas o que se pode e o que não se pode. É só fazer a conta. Multipliquem-se os ganhos de um deputado e de um senador por um mandato de quatro anos e de oito anos. E compare-se o resultado com os gastos de campanha. Sempre veremos uma conta que não combina. Gasta-se um Y exorbitante diante de um X muito inferior.
E o que é pré-campanha? Geralmente, o ciclo de 5 ou 6 meses, que precede a campanha, cujo ponto de chegada é o dia da eleição. Pois bem, no Brasil, os gastos são realizados todo tempo. A rigor, a campanha seguinte começa no dia seguinte aos resultados da campanha anterior. A sombra da política se estende todo tempo por todos os espaços, dando surgimento a um gigantesco custo Brasil.
E de onde vem o dinheiro e outras alavancas? Dos recursos alocados nos orçamentos; das verbas fora das peças orçamentárias e que recebem aprovação dos Executivos; das doações de patrocinadores; dos benefícios criados pela infraestrutura de apoio formada pelas redes físicas dos partidos; da atividade dos cabos eleitorais, enfim, até do cafezinho dos gabinetes e salas de espera. Os milhares de servidores públicos, nos três níveis da Federação (União, Estados e Municípios) funcionam como um rolo compressor das redes políticas, estejam elas a serviço do situacionismo ou do oposicionismo.
Em suma, faz-se pré-campanha todo tempo. Já a campanha propriamente dita é feita nas proximidades dos redutos eleitorais. Sérgio Moro, pelos dados de seus advogados, gastou pouco, algo com 5% do montante anunciado nas despesas, em seus espaços eleitorais. O resto foi despendido em outras regiões. Gastou como eventual candidato à presidência da República? Lula não entra em palanque como eventual candidato à reeleição em 2026? E quem banca essa situação? O cofre do Tesouro Nacional. Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas e outros governadores não fazem acenos para entrar na pista presidencial do amanhã? E não gastam nesse labor?
Existe, sim, um viés político no julgamento de Sérgio Moro. Se a tese a favor da cassação vingar, um contingente de parlamentares e governantes seria jogado no tribunal das condenações. A não ser que acolhamos a tese dos dois pesos e duas medidas.
Importa, sim, lutar pelo casto Brasil. Sem, porém, atropelar as leis do bom senso e buscando maneiras justas de diminuir o custo Brasil.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.
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