Por Bruno Anselmi Matangrano
Como fã confesso e orgulhoso da obra de J. K. Rowling, obviamente foi com alegria, mas também com certa desconfiança, que recebi a notícia da publicação da peça Harry Potter e a Criança Amaldiçoada. Obviamente, adoraria revisitar aquele mundo que por tantos anos foi (e continua sendo) tão importante para mim e para toda minha geração (muita gente, como eu, fez Letras, começou a ler e a escrever por causa de Harry Potter...). No entanto, com a novidade, sempre vem aquele receio de se estragar algo que terminou tão bem, sobretudo, pelo fato de a peça não ser exatamente de autoria de Rowling. Seu autor é o dramaturgo inglês Jack Thorne, em colaboração com o premiado diretor John Tiffany, a partir de uma história original de Rowling.
Todos estes dados, mencionados na ficha técnica da versão livro da peça, justificavam a ligação da autora com a peça, mas deixam claro que sua participação não é direta, ainda que tenha acompanhado todo o processo,como Rowling faz questão de deixar claro via sua conta de Twitter.
A peça estreou em Londres, em julho de 2016, erecebeu aclamação do público e da crítica, tendo vencido oito categorias em um importante prêmio de teatro, o que tornou a curiosidade em torno da versão impressa (para nós, pobres mortais, que não a pudemos ver ao vivo e a cores na terra da Rainha) ainda maior. No Brasil, a editora Rocco a publicou não muito tempo depois, no propício 31 de outubro, do mesmo ano. Ouvi muitas críticas, algumas bem pesadas e nem sempre fundamentadas (os fãs brasileiros, não importado quê, parecem serem sempre mais radicais do que outros); mas também li/ouvi elogios, alguns evidentemente passionais, de quem ama sem restrições.
Hesitei, hesitei, mas finalmente criei coragem deler a peça.
E a conclusão a que cheguei pode parecer piegas,mas é preciso dizê-la: é uma bela história, antes de tudo, na qual o leitor é levado de volta ao mundo de Harry, revisitando praticamente todas as cenas marcantes dos livros anteriores, em uma viagem nostálgica, que, no entanto, não vive apenas de nostalgia. Ainda assim, entendi todas as críticas que li e ouvi.(Prometo falar tudo de forma vaga, para evitar spoilers).
De fato, a peça poderia ter acabado antes do fim, quando o primeiro problema de verdade se encerra e o encanto pelo retorno ainda não foi maculado pelo exagero. Não vejo necessidade do shipper (isto é, o relacionamento entre dois personagens) mais mirabolante e tosco imaginável (mas que muito fã adora), e tampouco vejo o motivo de criar um deus ex machina forçado para resolver um problema que não precisa existir (afinal a peça deveria ter acabado antes), de um modo super clichê.
Mas,apesar destes dois problemas (que tiram um pouco da força do finalzinho dolivro, que, ainda assim, não se deixa estragar por trazer uma linda cena com ospais de Harry), ainda continua sendo um livro muito bonito, com personagens fortes, críveis e consistentes com os sete livros originais.
O destaque fica para os Malfoy, pai e filho, Dracoe Scorpion, que mostram a profundidade por trás dos estereótipos. Já o próprio Harry, em contraste com seu filho Alvo, é mostrado por outro viés, sem a ousadia da juventude e a suposta perfeição que o fã nostálgico costuma lhe atribuir. Em Harry Potter e a Criança Amaldiçoada, vemos um Harry mais humano, mais frágil, que não sabe como agir para salvar sua relação com um filho cuja essência lhe escapa por fugir à obviedade. Rony e Hermione,por sua vez, reprisam seus papéis: ela, no alto de sua inteligência, ele de seu modesto lugar de amigo fiel. Gina é uma surpresa à parte, adquirindo uma importância maior do que na série original, mesmo sendo relegada a poucas cenas. Fora isso, a trama se completa com a participação especial de figuras muito queridas, como a Professora Mc Gonagall, o centauro Agouro, o Chapéu Seletor e o conturbado Professor Snape, bem como de outras nem tão queridas assim, como a detestável Dolores Umbridge.
Em suma, o livro é, antes e acima de tudo, uma homenagem à saga... Um presente aos fãs saudosos, como eu, com dificuldades,mesmo após dez longos anos, de dizer fim aos seus heróis. Com passagens incríveis, que me fizeram voltar no tempo e lembrar tudo o que Harry Potterr e presenta para mim e para meus pares, este oitavo volume, com todos seus defeitos e qualidades, torna-se uma obra essencial a todas as almas sensíveis e nostálgicas. A este respeito, confesso, a primeira lágrima escorreu ao ler apágina 20. A última, com sabor de adeus, verti sobre a página final...
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BRUNO ANSELMI MATANGRANO, TRADUTOR E AUTOR DE DIVERSOS CONTOS EARTIGOS, É MESTRE E DOUTORANDO EM LETRAS PELA USP