CRÔNICA

INVEJA DOS HOMENS

INVEJA DOS HOMENS

“A gente se esquece de que a beleza vem de dentro. Impossível não se sentir bonita quando se está feliz”

“A gente se esquece de que a beleza vem de dentro. Impossível não se sentir bonita quando se está feliz”

Publicada há 7 anos

Por Eliana Jacob Almeida 



O casamento deles foi um espetáculo, uma superprodução.  A decoração de extremo bom gosto, o bufê com pratos deliciosos, docinhos finos e uma banda com ótimos cantores se revezavam numa apresentação impecável. A noiva linda transbordava alegria. No entanto, antes da meia-noite, eu já me sentia muito cansada. 


A princípio, pensei no dia — era sexta-feira — eu tinha trabalhado à tarde, antes de me preparar para a festa. Naquele momento, em que estava na minha melhor performance — com um lindo vestido bordado, justo e decotado; cabelos presos num coque, cheio de rococós; maquiagem caprichada; uma nova sandália  prata — as fotos denunciavam uma expressão completamente derrubada, que me assustou bastante: “Se esse é o meu melhor...” 


Aos poucos, porém, fui descobrindo o que realmente estava acontecendo. Para ficar elegante no vestido justo, eu usava uma cinta — sim, nós, mulheres, usamos cinta! — que me fazia sentar com uma postura engessada, pouco confortável. Para ter os cabelos arrumados em um penteado descolado, eu tinha saído da escola e ficado umas duas horas sentada — entre a espera e o trabalho da cabeleireira. Minha cabeça pesava bastante com a caixa e meia de grampos que a moça usou para prender o coque. 


Os cabelos foram tão puxados para trás que dispensavam plástica; eu me sentia meio oriental. Em minha maquiagem foi usado um pó que irritava meus olhos e provocava alergia fazendo meu nariz escorrer sem parar. A sandália comprada na véspera era alta demais para os meus pés já acostumados com calçados baixos; as pontas dos dedos chegavam a formigar.


 Dois dias antes, eu tinha passado pela tortura de tirar a sobrancelha; também fiz as unhas e, na véspera, pintei os cabelos. Diante disso, pensei: como eu poderia me divertir na hora da festa? Afinal, por que, para que e para quem fazemos tudo isso? Quem estabelece essas regras todas para nós? Na verdade, a gente se esquece de que a beleza vem de dentro. Se estamos leves, descontraídas e espontâneas, tudo flui com naturalidade.  Rimos mais, somos mais autênticas e conseguimos ter mais prazer onde estamos. Impossível não se sentir bonita quando se está feliz. 


Olhei para o lado e uma amiga lacrimejava; perdeu a paciência e tirou os cílios postiços que estavam incomodando. Na mesa ao lado, uma senhora reclamava de dor — tinha feito um cirurgia plástica havia poucos dias. Sua filha, dava para perceber, usava um aplique alongando os cabelos em uns 20 cm. A maioria das mulheres falando em dieta — algumas comiam com culpa; outras passavam pelo sacrifício “de olhar com os olhos e lamber com a testa”. Ao meu lado, meu marido comia, bebia, conversava e se divertia muito. Usava o mesmo terno que usa em todas as cerimônias há anos; o mesmo sapato confortável de sempre... que inveja! Tinha tomado um banho, feito a barba e ficaria na festa até a hora do “caldo cura-pinga”, não fosse meu cansaço e minha ignorância.


 * ELIANA JACOB ALMEIDA, PROFESSORA, ESCRITORA E DIRETORA-PROPRIETÁRIA DA ESCOLA EM BOM PORTUGUÊS, É AUTORA DE “ENQUANTO É TEMPO”, “MANUAL DE REDAÇÃO NOTA 1000 PARA O ENEM” E “A FAMÍLIA-MOSAICO DE CAIO E LUÍSA”. ESCREVE CRÔNICAS PARA JORNAIS E REVISTAS DESDE 2003





















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