MULHER

A COMÉDIA DAS TRAGÉDIAS

A COMÉDIA DAS TRAGÉDIAS

Publicada há 7 anos

Por Jacqueline Paggioro 





Costumo dizer, em tom de piada, que todos aqueles que têm um dia dedicado a comemorações normalmente são os que “se ferram”.


Para quem não entende a brincadeira pergunto logo: “Você já viu comemorarem o Dia dos Homens, dia dos Brancos?”, e por aí vai.


E com as mulheres não é diferente. O tom é de brincadeira, mas é realmente sério.

Segundo dados do IBGE, a maioria da população brasileira é composta por mulheres; outro estudo do mesmo instituto revela que em 2015 o rendimento das mulheres equivalia a 76% do dos homens; em 2005 era de 71%; após dez anos essa diferença aumentou somente cinco pontos percentuais. O estudo ainda aponta que quando são cargos de chefia a diferença aumenta.


O IPEA, por meio de pesquisas, divulgou neste mês que, apesar de trabalharem mais e também possuírem uma taxa de escolaridade maior que a dos homens, as mulheres seguem ganhando menos. E ainda divulgou que mais de 90% declarou realizar atividades domésticas, enquanto que a proporção dos homens ficou em torno de 50%.


Mapeamento elaborado pela ONU intitulado Mulheres na política, também de 2015, apontou que o Brasil ocupa apenas a 124ª posição em um ranking de 188 países em relação à igualdade de gênero e à participação de mulheres na vida pública. Na América Latina, nosso país está à frente apenas do Haiti. Dado irrefutável: em 2016, mais de 55 anos após a inauguração do Congresso Nacional (1960), é que se construiu um banheiro feminino no plenário do Senado.


A comoção popular diante de acontecimentos graves obriga nossos legisladores a criar leis para combatê-los, mas, geralmente, a celeridade do rigor da criação e da aplicação das leis depende da importância que a mídia dá aos fatos e do poder dos envolvidos.


Ao final dos anos 1980, após o sequestro dos empresários Abílio Diniz e Roberto Medina, forçaram a criação da Lei de Crimes Hediondos, de 1990. A farmacêutica Maria da Penha Fernandes teve que esperar 25 anos até que a Lei 11.340/2006 — e que se popularizou com o seu nome — fosse aprovada. Só que não foi em consequência do “clamor da sociedade”, mas devido à pressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da ONU, que, em 2001, que fez uma condenação pública acusando o Brasil de “covardemente fechar os olhos à violência contra suas cidadãs”; a pressão deste órgão também foi fundamental para que o marido dela fosse preso antes da prescrição dos crimes.


Portanto, não é de se espantar com o teor (e as gafes) do discurso do sr. Michel Temer em pronunciamento no Palácio do Planalto em evento comemorativo ao Dia Internacional da Mulher. Ao falar da importância das mulheres na economia, o digníssimo explicou que ninguém melhor que elas para detectar  flutuações de preços no supermercado e que com a volta do crescimento econômico retornarão ao mercado de trabalho além de cuidar dos “afazeres domésticos”. E a cereja do bolo ficou por conta do trecho: “Tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da Marcela (Temer), do quanto a mulher faz pela casa, pelo lar. Do que faz pelos filhos. E, se a sociedade de alguma maneira vai bem e os filhos crescem, é porque tiveram uma adequada formação em suas casas e, seguramente, isso quem faz não é o homem, é a mulher”.


A grande mídia tupiniquim não deu muita importância ao fato, mas a imprensa internacional criticou. E muito. A CNN destacou as críticas que as mulheres brasileiras fizeram após o discurso: “Presidente brasileiro é criticado ao elogiar as habilidades das mulheres no supermercado”. O espanhol El País publicou: “O presidente do Brasil reduz o papel da mulher à casa e ao supermercado”. Na Inglaterra, o The Independent classificou a fala de Temer como “sexista” e, na Alemanha, o Frankfurter Allgemeine destacou: “Especialistas em trabalho doméstico, crianças, compras (defendem): Michel Temer só quis fazer um cumprimento às brasileiras no Dia das Mulheres. Mas a tentativa do presidente brasileiro saiu pela culatra”.


E, como comecei o texto falando de piada, “terminá-lo-ei” citando duas.

O site humorístico Sensacionalista não perdeu a oportunidade e publicou o seguinte comentário: “Temer exalta importância da mulher no supermercado e isso não é coisa do Sensacionalista”.


Já o esculhambador-geral da República, Macaco (José) Simão, que afirma que este é o país da piada pronta, publicou: “E continua o bafo do Temer, que disse que a importância da mulher é conferir preços no supermercado. Aí o portal de notícias Metrópoles lançou o comercial: ‘SUPERMERCADOS TEMER! Confira as ofertas para as belas e recatadas. Bom Bril! Eu não sei o preço, mas a Marcela sabe: 130 cruzeiros. Fraldas descartáveis para o Michelzinho. Eu não sei o preço, mas a Marcela sabe: 250 cruzeiros. Fraldas geriátricas pro seu Michelzão! Eu não sei o preço, mas a Marcela sabe: 300 cruzeiros. Se a concorrência tiver melhores ofertas, cobri-la-emos direto no caixa 2! Supermercados Temer. Belo, recatado e do lar!’ Rarará!... Nóis sofre, mas nóis goza! Hoje só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!”.


Seria cômico, não fosse trágico!





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