CULTURA!

'EU REALMENTE AMO ESCREVER HISTÓRIAS.'

'EU REALMENTE AMO ESCREVER HISTÓRIAS.'

Referência nacional em literatura infanto-juvenil, a premiada escritora Helena Gomes concedeu entrevista ao C ultura!, em que falou sobre sua obra, a família e a carreira literária

Referência nacional em literatura infanto-juvenil, a premiada escritora Helena Gomes concedeu entrevista ao C ultura!, em que falou sobre sua obra, a família e a carreira literária

Publicada há 7 anos

Por O.A. Secatto 



Helena é um nome forte. E tão forte quanto as Helenas da História e da Literatura é a entrevistada do Cultura! especial de março em singela homenagem às mulheres na literatura. Já antecipo que sou a pessoa mais suspeita do mundo para falar da Helena Gomes: ela é uma das pessoas mais inteligentes, criativas, divertidas e admiráveis que eu já conheci. Além disso, é e sempre será — tento não envergonhá-la — minha madrinha literária, a primeira pessoa com quem tive altas discussões gramaticais — chatice minha, confesso — quando ela revisou meu segundo conto publicado (Olhos de sangue, da coletânea Dias Contados, da Andross Editora). Em razão desses acalorados debates — todos por e-mail —, precisávamos nos conhecer pessoalmente, o que aconteceu no lançamento da referida coletânea. Surgia aí uma amizade que hoje já tem uma década. Sorte minha. Nascida em Santos-SP, onde mora até hoje, Helena Gomes, além de escritora, é jornalista, professora universitária, revisora, preparadora de originais, organizadora de coletâneas e, não menos, mãe do Matheus e da Carla e sogra da Geni. Autora de 41 livros — outros já estão na fila para serem publicados —, foi três vezes finalista no Prêmio Jabuti (Tristão e Isolda; Contos Mouriscos, em coautoria com Susana Ventura; e Sangue de Lobo, este em coautoria com Rosana Rios).


 Recebeu o Selo Altamente Recomendável pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (A Donzela Sem Mãos e outros contos populares e Pedro e Inês) e tem títulos adotados em escolas e selecionados por programas de governo. Em 2015 e 2017, teve obras selecionadas para representar a Literatura Brasileira no catálogo Selection of Brazilian Writers, Illustrators and Publishers da FNLIJ para a Feira do Livro Infantil de Bolonha (Preta, Parda e Pintada; As Aventuras de Sargento Verde e Histórias Felinas, este em coautoria com Giulia Moon) e na Machado de Assis Magazine, no Salão do Livro de Paris (Assassinato na Biblioteca). Enfim, uma edição inteira não seria suficiente para discorrer sobre toda a importância de sua produção literária. Por isso é um privilégio poder, finalmente, registrar, na entrevista tão gentilmente concedida, um pouco da vida, da família e da carreira literária de Helena Gomes.


• Antes de ser escritora, você era jornalista. O que a levou para a produção literária? Desde criança, sempre gostei de criar histórias. Às vezes colocava no papel, mas a maioria ficava mesmo na minha cabeça. Isso ocorreu até que a série Harry Potter chegou ao Brasil e eu descobri o quanto a autora tinha batalhado para publicar o seu primeiro livro. Pensei: “qual é a minha desculpa para não escrever?”. Daquele ano de 2000 em diante, passei a organizar a minha semana para ter ao menos um dia dedicado à escrita. E não parei mais.


• Desde então, tem sido uma carreira prolífica: são já 41 livros. Qual é a meta? (risos) Não há meta, na verdade (risos). As histórias apenas aparecem na minha cabeça e algumas delas acabam virando livros.


• Durante muito tempo você teve — e ainda tem — que se desdobrar para dar conta de inúmeras tarefas: ser jornalista, professora universitária, escritora, revisora, preparadora de originais, organizadora de coletâneas, além de cuidar da casa e dos filhos pequenos. Como é que você consegue? (risos) Os filhos já cresceram, mas esse desdobramento continua complicado (risos). O importante é fazer o que se gosta e eu realmente amo escrever histórias. Faz parte do que sou como ser humano.


• Só quem escreve sabe da dificuldade de conseguir ler para o lazer enquanto se está produzindo. O que você tem feito mais: produzido ou consumido literatura? Depende da época. Quando tenho prazo para entregar algum original, leitura só a que for relacionada à pesquisa para o desenvolvimento da história. No momento, leio tudo relacionado a D. Pedro II e ao Brasil do século XIX em função de um livro que estou escrevendo. Assim que passar essa fase, posso me dedicar a outras leituras mais voltadas ao lazer. Já tem uma pilha de livros à minha espera ao lado do notebook...


• Há uma frase atribuída a Tolstói que diz “canta tua aldeia e serás universal”. Tem um pouco disso no fato de Santos estar presente em grande parte de seus livros? Sem dúvida. Gosto de colocar tramas em cenários brasileiros, ainda mais quando temos aqui tantas paisagens e até fatos históricos que a maioria desconhece. Nada contra usar Nova Iorque, por exemplo. A questão é: de novo Nova Iorque?
• Você já organizou várias coletâneas de escritores iniciantes. Qual a importância de se dar essa oportunidade para novos nomes? É a questão da continuidade, de sermos mentores para os mais novos. Depois, será a vez desse pessoal passar todo o conhecimento e a própria experiência para a geração seguinte. Nós ficamos em algum momento do caminho, mas a vida segue em frente, não é mesmo?
• Há muito escritor que reclama das alterações provenientes da sua revisão? (risos) São sugestões, na maioria das vezes. Alterações mesmo só quando não dá para escapar das normas gramaticais, do bom senso e/ou de outra situação mais extrema. Também sou autora e convivo com revisores, editores e alterações quando um livro meu entra em produção na editora. A verdade é que aprendemos muito e, como todo aprendizado, é importante estar aberto a ele.


• Como funciona a preparação de originais? Tem muito best-seller que precisa de preparação antes de ser publicado? Cada caso é um caso. Há de tudo, desde ghost-writers e editores que reescrevem o livro inteiro a escritores muito talentosos, com textos belíssimos. Mas mesmo esses jamais serão perfeitos e “imexíveis”. A preparação é necessária por fornecer um novo olhar sobre a obra, uma interpretação fora da esfera do autor e, melhor, para mostrar possibilidades que nem sempre ele enxerga sozinho.


• Você tem vários livros nos quais divide a autoria com outras escritoras. Como é escrever em parceria? Não envolve apenas criação em conjunto, mas também divisão de tarefas e muita organização entre os escritores para que o livro fique redondinho. O resultado costuma trazer o melhor de dois mundos, pois une estilos diferentes e formas diversas de se enxergar a ficção e a própria realidade.
• Algum escritor parceiro já enrolou você mais do que eu tenho enrolado? (risos) Já (risos). Mas sempre é possível renegociar prazos e combinados. Exceto, claro, se o outro lado não se dispõe a isso. Nesses casos, a parceria não vai sobreviver muito mais.


• Grande parte de sua obra é permeada por algum elemento fantástico (veja as obras abaixo). Histórias como as de J. R. R. Tolkien (“O Senhor dos Anéis” e “O Hobbit”) e J. K. Rowling (a saga de “Harry Potter”), principalmente, ganharam adaptações para o cinema e deram enorme visibilidade à fantasia (ficção fantástica), que tanto é maltratada pela “crítica”. Parecem ter mostrado que o gênero tem conteúdo, qualidade, aceitação e público. Ainda é preciso defender a fantasia na literatura? Não tanto quanto no passado. Hoje há um público muito mais interessado nesse segmento, justamente porque existem as obras que você citou e que abriram espaços amplos para novas oportunidades.


• E no Brasil, como está a ficção fantástica? Sinceramente, não sei. Como estou me dedicando mais à literatura infanto-juvenil, em que a fantasia pode naturalmente se misturar à realidade nas histórias, não tenho acompanhado a literatura fantástica em si. Sei que de vez em quando um ou outro autor brasileiro desse gênero lança algum título, porém os mais presentes na mídia são os lançamentos de escritores estrangeiros. Da minha parte, tenho um único livro inédito de literatura fantástica ainda em busca de editora. Mas, como todo o mercado editorial está andando bem devagar em função da crise econômica no país, não dá para saber se é culpa da desvalorização da ficção fantástica brasileira ou apenas da falta de dinheiro para se publicar novos títulos.


• É para poucos o privilégio de ser três vezes finalista do Prêmio Jabuti — 2011, com “Tristão e Isolda” (Berlendis); 2011, com “Sangue de Lobo” (DCL); e 2016, com “Contos Mouriscos” (Callis) —. Qual a sensação? É uma sensação gostosa de dever cumprido, um reconhecimento em meio a tanta luta e resistência para ser um escritor em um país onde se lê tão pouco, que raramente valoriza um livro e o próprio conhecimento.


• Na sua opinião, qual o verdadeiro papel da mulher na literatura? Ela já conquistou seu lugar de direito? E qual seria o verdadeiro papel do homem na literatura? Escritores e escritoras têm muito a contribuir, cada um com seu estilo e modos de ser e existir. E qual seria o lugar de direito da mulher? O direito dela não deveria ser igual ao do homem? Juntos, em pé de igualdade? Há machismo em todas as áreas, tanto da parte de homens quanto de mulheres, pois mudanças de mentalidade são processos longos e desgastantes. O bom é que existem e estão em andamento, o que beneficiará as gerações futuras como nós fomos beneficiados por outras lutas por direitos humanos que ocorreram em séculos anteriores.


• Quais os projetos para 2017? Espero que finalmente o nosso livro de
contos seja lançado! A espera está sendo longa, eu sei, mas, segundo a editora, deste ano não passa. Além dele, tenho outro em parceria, escrito com a Geni Souza. É o infantil Princesas, bruxas e uma sardinha na brasa – Contos de fadas para pensar sobre o papel da mulher, que será lançado agora em abril. Se tudo der certo, haverá mais dois livros: uma movimentada aventura juvenil e outro também com contos de fadas.


• Neste mês de março, que recado você deixa para as mulheres que enfrentam jornadas duplas, triplas, quádruplas? Que resistam, lutem por seus direitos e, principalmente, não se deixem levar pela polarização mulheres x homens. Homens devem ser parceiros e, como as mulheres, ensinados desde criança a respeitar as diferenças. Para mim, sempre será a soma mulheres + homens. É a união que ganha.


Sessão de autógrafos. No lançamento do livro ‘Lobo Alpha’, em 2006 




Jabuti (1). Com a escritora Rosana Rios (parceria no livro ‘Sangue de Lobo’) na Bienal do Livro, em 2014 



Encontro. Em 2009, no lançamento da coletânea ‘Dias Contados’, comigo e minha Bella esposa 



Jabuti (2). Com a escritora Susana Ventura (parceria no livro ‘Contos Mouriscos’), em 2014 



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