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A arte da elegância de Samir Machado de Machado

A arte da elegância de Samir Machado de Machado

Em uma mistura inusitada de romance histórico e narrativa de espionagem, Samir cria algo inédito em nossa literatura com sua obra Homens Elegantes

Em uma mistura inusitada de romance histórico e narrativa de espionagem, Samir cria algo inédito em nossa literatura com sua obra Homens Elegantes

Publicada há 7 anos

Por Bruno Anselmi Matangrano 


A proposta de um romance histórico de espionagem, com toques de romance de época de temática LGBT, ambientado na Inglaterra do século XVIII e protagonizada por um português de ascendência inglesa nascido no Brasil, é no mínimo inusitada. E instigante. Agora, tendo essa mistura em vista, imagine um James Bond gay, numa época em que a homossexualidade era crime de grande gravidade, escolado em jeitinho brasileiro, burocracia portuguesa e etiqueta britânica, em meio aos bailes e fêtesgalantesda corte inglesa barroca, entre chapéus emplumados, floretes afiados, sofisticados confeitos, emocionantes carteados, tavernas exclusivas e toda sorte de brocados, enfrentando ninguém mais, ninguém menos do que o pérfido nobre ítalo-argentino Reinaldo Olavo de Gavíria y Acevedo, conhecido também pela irônica alcunha de Conde de Bolsonaro, personagem totalmente fictícia, que não faz a menor menção a nenhuma figura real igualmente sórdida. Ou faz.


A trama se inicia em 1760, quando o brasileiro Érico Borges é enviado à embaixada portuguesa em Londres, parte por conta de seu sangue meio-inglês, parte por ter caído nas boas graças de Sebastião José Carvalho e Melo (1699-1782), também conhecido como Conde de Oeiras e imortalizado como Marquês de Pombal, para trabalhar em uma investigação bastante curiosa envolvendo pirataria, livros proibidos de teor erótico e uma conspiração que parece se alastrar por diversos países, ligando de certa forma Brasil, Portugal e Inglaterra.


 Dado o caráter confidencial da missão, Érico se vê obrigado a camuflar o motivo de sua presença em Londres, adotando o sugestivo nome de Barão de Lavos, retirado do livro de mesmo nome, do romancista português Abel Botelho. Assim, passando-se por nobre, começa a frequentar toda a alta sociedade londrina, com direito a festas, bailes, óperas e muitos chás. Paralelamente, é introduzido por seus amigos a Maria de Almeida, a sobrinha do embaixador português, William Fribble, um dândi chamativo e colorido, Armando Pinto, o sóbrio primeiro-secretário da embaixada, e, por fim, Gonçalo Picão, um gentil e humilde padeiro brasileiro, a uma Londres paralela, onde homens de gosto diverso ao considerado adequado para a época levam uma vida de camaradagem, diversão, um pouco de devassidão, amizade e respeito, protegendo-se uns aos outros de todos os demais. Juntos, os amigos frequentam desde tavernas escondidas a todo aquele ainda não-iniciado até os mais incríveis eventos sociais, onde acabam por conhecer e, depois por sempre reencontrar, o abominável Conde de Bolsonaro, que após o mais memorável e emocionante jogo de cartas descrito ou mostrado na literatura ou no cinema, torna-se oponente e arqui-inimigo de Érico Borges, causando-lhe toda sorte de infortúnios.


Trata-se, pois, de uma obra extremamente arquitetada, desde o mapa cuidadoso e as descrições pormenorizadas de uma Inglaterra outrora existente, passando pelo frontispício reproduzido em graphiaepocal, pela criação de nomes sugestivos e brincalhões, bem como pela pesquisa histórica e literária que se traduz em todo o tipo de referências, até a diferenciação divertida e útil entre diálogos ora proferidos em inglês (por isso introduzidos por aspas) ora em português (neste caso, por travessões) ao longo do livro, apesar de todos estarem, obviamente, escritos em bom português, resgatando, no entanto, termos, conceitos e dizeres do setecentos e misturando os falares deste e do outro lado do Atlântico. Ainda demonstrando o cuidado com o processo de escrita e o respeito com o leitor, o livro se encerra com interessante Nota Histórica, na qual o autor destaca e presta homenagem a suas fontes e inspirações, já que, além de suas criações, Samir soma a seu elenco algumas personagens históricas bem como algumas provenientes de outras obras literárias.


Em suma, eis a premissa de Homens Elegantes, o novo livro do escritor gaúcho Samir Machado de Machado — autor de O Professor de Botânica(2008) e Quatro Soldados(2013) —, cuja semelhança com o Bruxo do Cosme Velho não se limita ao sobrenome, mas também se traduz na maneira inusitada como constrói sua narrativa, brincando com estilos, formas e gêneros, em um tom extremamente ácido e bem-humorado, ainda que eivado de emoção e certa tristeza pela conjuntura do século, cheio de referências e trocadilhos. E, bem ao gosto do autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, repleto do melhor tipo de ironia.



BRUNO ANSELMI MATANGRANO, TRADUTOR E AUTOR DE DIVERSOS CONTOS EARTIGOS, É MESTRE E DOUTORANDO EM LETRAS PELA USP







BRUNO ANSELMI MATANGRANO, TRADUTOR E AUTOR DE DIVERSOS CONTOS EARTIGOS, É MESTRE E DOUTORANDO EM LETRAS PELA USP


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