CRÔNICA

SACERDÓCIO, UMA OVA

SACERDÓCIO, UMA OVA

‘Professores tiveram de ouvir um vereador justificar a recusa do Executivo com o argumento pedestre de que magistério é sacerdócio...’

‘Professores tiveram de ouvir um vereador justificar a recusa do Executivo com o argumento pedestre de que magistério é sacerdócio...’

Publicada há 7 anos


Em 1977 ou 78, o Estado lançou concurso de ingresso para professor de segundo grau. Nove anos eram passados do último, os organizadores haviam perdido a embocadura, carregaram a mão nas dificuldades. Foi um arraso. A aprovação com notas inesperadamente altas me conduziria à cadeira no Colégio A. J. Moreira, 150 metros de minha casa. 


Diante do impedimento de acumular o cargo com emprego numa estatal, impôs-se a opção de ficar onde estava há 15 anos, embora o salário ali fosse um pouco menor. Pesaram na decisão as perspectivas de ascensão em carreira e os benefícios de seguridade. Não deixa de ser interessante notar que a exigência do Estado era maior do que a daquela instituição nos respectivos concursos. Não que o da estatal fosse moleza. Não foi, não era. 


Tinha índice de aprovação avaro até uns anos atrás. Havia esquisitices como provas de Inglês e Francês. Elementares, mas que exigiam batismo nas línguas. Troço besta exigir isso de candidato a escriturário que trabalharia no País. O certame não se condicionava à existência de escolaridade, ao passo que o Estado só admitia graduados em curso superior. Ficar na estatal foi opção sábia. Lá, haveria chateação em penca, mas galgaria postos enquanto professores regrediriam em matéria de remuneração a tal ponto que a comparação, hoje, é acachapante.


Pois ano passado [2007], professores de Mirassol, em campanha por reajustes, tiveram de ouvir um vereador governista justificar, em reunião, a recusa do Executivo com o argumento pedestre de que magistério é sacerdócio. Em lugar de mandá-lo plantar batatas ou tomar purgante para arejar a cabeça, uma professora observou-lhe que os mestres têm casa, família, amiúde filhos que teimam em comer todos os dias, contas a pagar, etc, etc. Ademais, ninguém ali fizera voto de pobreza. Esse mesmo pessoal, sempre perdido e mal pago, reivindica reajustes este ano. Merecidos e necessários. Haverá mais reuniões. Não se sabe o porquê, mas vereadores estarão presentes de novo. Bom que eles reflitam, antes de proferir asneiras solenes, sobre os muitos ralos por onde se esvai o dinheirinho da viúva. Empreguismo, por exemplo. No início do mandato anterior, a prefeitura daqui tinha 16 assessorias de livre preenchimento no primeiro escalão. Foram feitas oito nomeações. Mais não era preciso. 


O quatriênio terminou com 22. Oito desnecessárias, mais seis. Hoje, parece que são 26. Não são cargos, mas sinecuras para abrigar apaniguados, prebendas dadas a parasitas. Pagas pelo contribuinte, coitado. Sacerdócio, tínhamos antes do Pacote de Abril, de Geisel, que instituiu remuneração para a vereança. Então, homens honrados, probos e qualificados doavam seu tempo ao serviço da cidade. Nada a ver com essa gente que agora se candidata. Em robusta maioria, apenas constrangedora súcia de papa-empregos, um olho no cofre, outro no umbigo.


***

PS - Não há ser contra salário de vereador. Aborrece, contudo, a má qualidade do trabalho deles.


 * HÉRCULES DOMINGUES DE FARIA, BANCÁRIO APOSENTADO E FORMADO EM LETRAS, FOI COLUNISTA DOS JORNAIS ‘CORREIO DE MIRASSOL’ E ‘DIÁRIO DA REGIÃO’





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