No ano de 1992, representantes de 108 países reuniram-se na cidade do Rio de Janeiro para debater os grandes problemas ambientais do mundo em uma conferência que ficou conhecida como ECO – 92 ou RIO – 92. Eram presidentes, primeiros-ministros, demais chefes de Estado, jornalistas e empresários importantes tratando de assuntos como: buraco na camada de ozônio, mudanças climáticas, chuva ácida, desenvolvimento sustentável, entre outros temas relacionados ao meio ambiente. O evento era tão importante que o presidente brasileiro na época, Fernando Collor de Melo, transferiu, provisoriamente, a sede do governo da cidade de Brasília para o Rio de Janeiro durante o evento. Os debates foram realizados no famoso centro de convenções Riocentro. O que aquelas autoridades não esperaram foi o discurso emocionante e repleto de lições de moral de uma garota canadense de apenas 12 anos, chamada Severn Cullis-Suzuki. Sua fala desnudou a hipocrisia do mundo dos adultos, especialmente a dos poderosos, e nada mais simbólico e interessanteessa atitude ter partido de uma criança.
Segue, na íntegra, o seu emocionante discurso: “Olá, sou Severn Suzuki. Represento a ECO, a organização das crianças em defesa do meio ambiente. Somos um grupo de crianças canadenses, de 12 a 13 anos, tentando fazer a nossa parte, contribuir: Vanessa Suttie, Morgan Geisler, Michelle Quigg e eu. Todo o dinheiro que precisávamos para vir de tão longe conseguimos por nós mesmas para dizer que vocês, adultos, têm que mudar o seu modo de agir.Ao vir aqui, hoje, eu não precisava disfarçar meu objetivo. Estou lutando pelo meu futuro. Não ter garantia quanto ao meu futuro não é o mesmo que perder uma eleição ou alguns pontos na bolsa de valores. Estou aqui para falar em nome das gerações que estão por vir. Estou aqui para defender as crianças com fome, cujos apelos não são ouvidos. Estou aqui para falar em nome dos incontáveis animais morrendo em todo o planeta porque já não têm mais para onde ir.Não podemos mais permanecer ignorados. Hoje tenho medo de tomar sol por causa dos buracos na camada de ozônio. Tenho medo de respirar esse ar porque não sei que substâncias químicas o estão contaminando. Eu costumava pescar em Vancouver com meu pai até o dia em que pescamos um peixe com câncer. Temos conhecimento de que animais e plantas estão sendo destruídos a cada dia e em vias de extinção. Durante toda minha vida eu sonhei ver grandes manadas de animais selvagens, selvas, florestas tropicais, repletas de pássaros e borboletas, mas, agora, eu me pergunto se meus filhos vão poder ver tudo isso. Vocês se preocupavam com essas coisas quando tinham a minha idade?Todas essas coisas acontecem bem diante dos nossos olhos e, mesmo assim, continuamos agindo como se tivéssemos todo o tempo do mundo e todas as soluções. Sou apenas uma criança e não tenho as soluções, mas quero que saibam que vocês também não têm. Vocês não sabem como reparar os buracos da camada de ozônio. Vocês não sabem como salvar os salmões das águas poluídas. Vocês não sabem ressuscitar os animais extintos. Vocês não podem recuperar as florestas que um dia existiram, onde hoje é deserto. Se vocês não podem recuperar nada disso então, por favor, parem de destruir!Aqui vocês são os representantes de seus governos, homens de negócios, administradores, jornalistas ou políticos, mas, na verdade, são mães e pais, irmãos e irmãs, tias e tios, e todos também são filhos. Sou apenas uma criança, mas sei que todos nós pertencemos a uma sólida família de cinco bilhões de pessoas, e, ao todo, somos 30 bilhões de espécies compartilhando o mesmo ar, a mesma água e o mesmo solo. Nenhum governo, nenhuma fronteira poderá mudar esta realidade. Sou apenas uma criança, mas sei que esse problema atinge a todos nós e deveríamos agir como se fôssemos um único mundo, rumo a um único objetivo. Apesar da minha raiva, não estou cega; apesar do meu medo, não sinto medo de dizer ao mundo como me sinto. No meu país, geramos tanto desperdício… compramos e jogamos fora, compramos e jogamos fora… e os países do Norte não compartilham com os que precisam. Mesmo quando temos mais do que o suficiente, temos medo de perder nossas riquezas, medo de compartilhá-las. No Canadá, temos uma vida privilegiada, com fartura de alimentos, água e moradia. Temos relógios, bicicletas, computadores e aparelhos de TV. Há dois dias, aqui no Brasil, ficamos chocados quando estivemos com crianças que moram nas ruas. Ouçam o que uma delas nos contou: “Eu gostaria de ser rica e, se fosse, daria a todas as crianças de rua alimentos, roupas, remédios, moradia, amor e carinho.” Se uma criança de rua, que não tem nada, ainda deseja compartilhar, por que nós, que temos tudo, somos ainda tão mesquinhos? Não posso deixar de pensar que essas crianças têm a minha idade e que o lugar onde nascemos faz uma grande diferença. Eu poderia ser uma daquelas crianças que vivem nas favelas do Rio. Eu poderia ser uma criança faminta da Somália. Uma vítima da guerra do Oriente Médio ou uma mendiga da Índia.Sou apenas uma criança, mas ainda assim, sei que se todo o dinheiro gasto nas guerras fosse utilizado para acabar com a pobreza, para achar soluções para os problemas ambientais, que lugar maravilhoso a Terra seria! Na escola, desde o jardim da infância, vocês nos ensinaram a ser bem comportados. Vocês nos ensinaram a não brigar com os outros, resolver as coisas bem. Respeitar os outros. Arrumar nossas bagunças. Não maltratar outras criaturas. Dividir e não ser mesquinho. Então, por que vocês fazem justamente o que nos ensinaram a não fazer?Não esqueçam o motivo de estarem assistindo a estas conferências, e para quem vocês estão fazendo isso. Vejam-nos como seus próprios filhos. Vocês estão decidindo em que tipo de mundo nós iremos crescer. Os pais devem ser capazes de confortar seus filhos dizendo-lhes: “Tudo ficará bem”, “Estamos fazendo o melhor que podemos”. Mas não acredito que possam nos dizer isso. Estamos sequer na sua lista de prioridades? Meu pai sempre diz: “Você é aquilo que faz e não aquilo que você diz”. Bem, o que vocês fazem nos faz chorar à noite.Vocês adultos nos dizem que nos amam. Eu desafio vocês. Por favor! Façam suas ações refletirem as suas palavras. “Obrigada.”
A garota de 12 anos lembrou os adultos de que, mais importante do que ficar aconselhando crianças do que é o certo e o errado nesse mundo, é fazer “suas ações refletirem as suas palavras”. Nesse caso, essa verdadeira lição de moral inusitada (de uma criança para os adultos), não serve apenas para os assuntos ambientais, mas para todas as questões da vida.
O leitor que desejar assistir ao vídeo que exibe este discurso deve acessar o seguinte endereço na internet: https://www.youtube.com/watch?v=XOUzYAKWOWU