André Marcelo

Quando Pedro fala de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo.

Quando Pedro fala de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo.

Por André Marcelo Lima Pereira

Por André Marcelo Lima Pereira

Publicada há 7 anos

Muitas pessoas, especialmente quando estão ressentidas, falam com mágoa... quando não falam com rancor ou inveja.


Pedro fala de Paulo, de seu sucesso repentino; critica suas aventuras despudoradas, suas manias de querer tudo certinho, em ordem, na hora exata. Enquanto Pedro fala de Paulo, pode-se observar que muitos dos sentimentos que são atribuídos a Paulo são, na verdade, uma transposição dos sentimentos de Pedro para a imagem de Paulo. Em Psicologia, essa transposição se chama projeção.


Projeção, segundo a teoria psicanalítica, originalmente desenvolvida por Sigmund Freud[i], corresponde a um tipo de mecanismo de defesa psicológico, uma estratégia usada, mesmo sem perceber, a fim de se proteger de desejos, eventos, comportamentoscom que não se desejalidar, pensar, ou reprova: a pessoa "projeta" seus próprios pensamentos, motivações ou razões/justificativas, desejos e sentimentos reprováveis em uma ou mais pessoas.


Laplance e Pontalis[ii] empregam o termo para designar a operação pela qual o indivíduo expulsa de si qualidades, sentimentos, desejos, e localiza-os no outro. Freud[iii] concebe projeçãocomo a atribuição de sentimentos próprios indesejáveis ou dolorosos (ansiedade, culpa, ira etc.) a outra pessoa – o que alivia tais sentimentos.Seligmann-Silva[iv] lembra que, na irritabilidade e na hostilidade dentro do ambiente de trabalho, a projeção aparece deslocada para o outro com a mesma irritabilidade e hostilidade – o quejustifica a própria irritabilidade ou hostilidade em situações laborais agressivas manifestadas pelo outro.

 

Pela projeção, o indivíduo procura expulsar de si algo que o faz sofrer e o localiza / projeta em outra pessoa ou algo externo. Isso ocorre com pensamentos, erros, manias reprováveis, limitações ou desejos, os quais não tolera ou não admite como sendo seus. Quando a projeção ocorre, pode manifestar-se em comportamentos extremos como a paranoia, em que os delírios persecutórios refletem uma imaginada perseguição para prejudicá-lo. O indivíduo acometido desse delírio criamecanismos de defesa, estratégias de autoproteção, e procura refletir-se em comportamentos considerados normais.

 

O que se busca, na verdade, é livrar-se da responsabilidade em relação aos acontecimentos ocorridos: é como se o indivíduo buscasse livrar-se da culpa, projetando-a no outro e eximindo-se da autoria do erro, da falha, do sentimento, do desejo, e se transformasse em vítima do evento. Ocorrências várias de projeção podem ser mencionadas como exemplos: o aluno que, ao obter notas baixas, coloca a culpa na prova ou no professor; o marido que trai a companheira porque não resiste à sedução e provocações da amante; o menino que briga porque os outros o imitam e o provocam; a pessoa que esmurra a própria cabeça para descarregar a raiva; a mentira dita sem o menor pudor por acharque os outros também mentem...

 

Um exemplo clássico. Você é inteligente. Os outros o acham também. Mas você está inseguro de sua inteligência. Você comete um erro bobo, e ninguém comenta; mas você acusa os outros, seus amigos, de dizerem que você é burro, estúpido. De fato, você teme ser apontado pelos outros e se antecipa acusando-os.

 

A própria expressão “O destino quis assim” constitui uma projeção, porque o indivíduo quer eximir-se das responsabilidades sobre seu erro, por impotência ou incapacidade de conduzir a própria vida. Com essa justificativa, pretende reduzira pressão do erro sobre si mesmo, como se não pudesse agir ou reagir contra determinado evento. Com a projeção, evita desvalorizar-se, ser reprovado por um comportamento inadequado. Ao mesmo tempo, a projeção diminui o conhecimento de um indivíduo a respeito do outro, vendo o outro pelas mesmas lentes com que se vê. Em outras palavras, “reconheço no outro” os defeitos e limitações que “reconheço em mim mesmo”. As qualidades que o outro apresenta, porém, pela projeção, causa rancor, inveja – fonte de martírioque, muitas vezes, impele a agir contra o outro sem qualquer razão ou motivo.

 

  

 

[i] FREUD, S. Conferências introdutórias sobre psicanálise(Parte III). Tradução SALOMÃO, J. Rio de Janeiro : Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. XVI).

  

[ii] LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário de psicanálise. Tradução TAMEN, P. 4. ed. São Paulo : Martins Fontes, 2004.

  

[iii]FREUD, Anna. O ego e os mecanismos de defesa. Tradução SETTINERI, F.E. Porto Alegre: Artmed, 2006. 124 p.

  

[iv] SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental – o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez, 2011. 622 p.

 


últimas