José Renato Se

Somos aquilo que escolhemos ser. Talvez, o que restou de nós.

Somos aquilo que escolhemos ser. Talvez, o que restou de nós.

Por José Renato Sessino Toledo Barbosa - Professor

Por José Renato Sessino Toledo Barbosa - Professor

Publicada há 7 anos

A incerteza da continuação me levou a publicar mais um texto acerca do tema Ética.

Volto-me para o século passado, a meu ver, o momento em que pela primeira vez a Filosofia torna-se palpável aos comuns com o Existencialismo. As questões elucidadas pelo seu maior nome, o filósofo Jean-Paul Sartre, tornaram-na mundana, vista no cotidiano.


É importante lembrar que essa Filosofia se elidiu em meio a uma grave crise: os prenúncios da Segunda Guerra Mundial (1939-45) e a consequente ocupação nazista na França.


Todavia, sua origem está no século anterior.Inicialmente com a Fenomenologia, Filosofia gestada por Franz Brentano, cujo propósito era responder à crise nascida nas Ciências Humanas, em razão da convicção cega de muitos de que asó a Psicologia responderia aos problemas advindos dessa área do conhecimento. A saber: ao final do século XIX havia a certeza de que a percepção, propalada pelos psicólogos, era a chave para todos os dramas humanos.


Brentano traz à tona duas importantes ponderações; a primeira: falar em percepção, não é suficiente. É mister que se responda: O que é a percepção? Somente a faz a Filosofia. Além disso, a Fenomenologia – já no século XX – com Husserl, preocupa-se com a continuidade do problema, à luz da compreensão da linguagem, e apresenta o conceito de intencionalidade. Com efeito, em que pese o que façamos, dizemos, pensamos ou escrevemos, em tudo há uma intencionalidade. “Não há gratuidade nos atos”, dirá Sartre mais tarde.


Na segunda década do século passado, precisamente em 1927, o filósofo alemão Martin Heidegger produz uma obra nominada “Ser e Tempo”, a qual se transforma numa das maiores bases do pensamento de Sartre. Nela, o germânico afirma que somos lançados numa temporalidade, na qual “estouramos”, ou seja, existimos, contra a qual “lutamos” e nos correlacionamos nesse binômio de nossa essência – aquilo que somos – e a temporalidade.


Acrescente-se a esse arcabouço: a Filosofia do dinamarquês Kierkegaard, que lança o conceito de angústia, como algo presente, permanentemente, em nosso existir.


Do mesmo século XIX, o filósofo alemão Schopenhauer, por meio de sua fundamental obra “O Mundo como Vontade e Representação”, é uma referência decisiva. Diz o filósofo: “Vivemos guiados por nossas vontades ou representações delas”. Muitas vezes afirmamos determinadas vontades, contudo, elas são apenas representações.


Evidentemente, do século retrasado, inclui-se o também filósofo germânico, Friedrich Nietzsche. De sua monumental produção, cabe aqui destacar quea obra toda é construída a partir do indivíduo – com efeito, o drama humano e suas possíveis ou utópicas soluções – centra-se na solidão. Não há saídas coletivas.

O jovem graduado em Filosofia – Jean-Paul Sartre – deixa a França, rumo à Alemanha, a fim de estudar a Fenomenologia com Husserl. Toma contato também com a obra de Heidegger.


O fascismo e o nazismo começam a ser paridos. Ambos contribuem decisivamente para a barbárie da Segunda Guerra Mundial. Verdade que suas centelhas são provenientes das chagas da Primeira Guerra, que continuavam abertas e expostas.

Em 1938, Sartre publica “A Náusea”, romance que traz consigo as premissas da Filosofia Existencialista: uma existência calcada na mera repetição cotidiana de atos e ações; o existir por existir é nauseante.


Essa temática é elucidada na vida do fictício historiador Antoine Ronquetin que se encontra numa fictícia cidade, a fim de escrever a biografia de um fictício barão. Em sua rotina começa a ser acometido de náuseas. Nenhum médico consegue aferir um diagnóstico. O mesmo conclui: a existência pela existência, simples e banal, é nauseante!


 Sartre vai além.Inverte uma premissa básica do Ocidente cristão, a qual afirma: A essência precede à existência. Ou seja, somos antes de sermos. Em outras palavras: essência é aquilo que qualifica o ser, que dá a ele atributos, com os quais deixa de ser meramente um ente. Essa assertiva significa que o ser humano já está constituído ontologicamente antes de existir. Como costumo dizer de maneira irônica: “ – Papai bonzinho; Mamãe boazinha; logo, Filhinho bonzinho”. Quando um pai ou mãe começa a expor qualidades, ou quereres, acerca de um filho que ainda não nasceu, há algo ontologicamente estranho.


Para o filósofo, primeiro existimos. Somente. “A existência precede à essência”, afirma Sartre a inverter a premissa básica do Ocidente cristão a reconstituir a afirmação de Parmênides de Eléia.


Nesse sentido, é possível – e comum – que se tenha uma vida nadificada, isto é, apenas uma existência desprovida de essência. Para tê-la, é necessário que escolhamos.


Uma escolha é um projeto. Palavra bela e banalizada – como tudo. De origem latina “projectu”, lançar-se subjetivamente ao futuro. Escolher, construir e realizar.

Vide o caso de Gregor Samsa, personagem de Franz Kafka em “Metamorfose”. Uma vida balizada pela mesmice, apenas a realização de tarefas cotidianas e laborais. Poucos e raros momentos para si. Na primeira página da obra, o personagem se transforma num repugnante inseto.


Uma existência nadificada não nos leva a isso?


Quantos não se transformam cotidianamente em insetos?


Vale acrescer à lista Marcel Meursault, personagem da obra “O Estrangeiro” de Albert Camus. Aquele cuja vida limita-se a realização de atos sem escolhas. Indiferente à realidade, apenas vive. Não chora na morte e enterro da própria mãe. Mata por causa do sol. Repete como mantra: “- Ça m’est égal.”“Tanto faz”. Mata. Sem saber ao certo a razão de tê-lo feito. O ato em si, pouco importa também, no decorrer da obra.


Portanto, escolher demanda um projeto. Um ato livre, consciente e responsável.

Sou livre, “condenado à liberdade” – ensina o filósofo francês –. Para fazê-lo, é necessário que o saiba, entenda que estou a deliberar livremente com base em meus quereres; logo, devo responder por isso. Daí a origem da palavra responsabilidade. Devo “assumir” minhas opções. Mais do que isso: não posso esquecer que minhas escolhas subjetivas e individuais incidem no outro, na comunidade. Ter com o mundo uma relação dialética, do em si para si. Meus atos por mais individuais que pareçam, estão intimamente ligados ao coletivo, ao outro. Não há gratuidade nos atos. Repito. Há sempre uma intencionalidade. Logo, escolher é um ato responsável, consciente e livre. Sem representação, para tornar-se legítimo. É solitário, individual.


Com isso, o momento da escolha é o instante da angústia. Optar de forma livre, consciente e responsável é angustiante. É sério. É a vida. Legítima.


Ao realizar algoafirmando-o, todavia, representando-o sem a convicção; fazer e negar posteriormente, Sartre nomina “má-fé”. O exemplo acabado disso, a meu ver, reside em Fernando Henrique Cardoso. Ao passar a vida denunciando, condenando práticas e uma determinada casta da sociedade brasileira, apresentou-se como “intelectual de esquerda”, “pensador marxista”, “líder progressista”. Todavia, amealhava um sonho “secreto”: virar presidente da república. A oportunidade “apareceu” em meio a acordos escusos com àqueles e aquilo que sempre condenou. Questionado acerca de atos e escolhas, incompatíveis com a obra e o discurso propalado, respondeu: “ – Esqueçam o que escrevi”. Isso é a má-fé sartreana!


Da trilogia “Caminhos para Liberdade”, o último livro “Com a Morte na Alma”, o protagonista Mathieu, professor de Filosofia escolhe livre, consciente e responsavelmente engajar-se na luta contra os nazistas, militando na “Resistência Francesa”. Ao final da obra, encontra-se só, apenas com uma granada, cercado de nazistas. Mathieu verifica as várias possibilidades. Opta por aquela que legitima sua escolha, aquela que autentica a veracidade de sua vontade: escolha livre, consciente e responsável.


Numa época marcada pelo individualismo egóico e egoísta; babaca e consumista,um pseudo hedonismo virtual, um faz de conta de existir, faz dessa temática algo urgente e atual. Porém, “fora de moda”.


Ser gente decente, livre, consciente e responsável, soa como “pagar mico”.

Sartre prometeu, mas nunca escreveu um livro específico sobre Ética. No entanto, em sua produção filosófica o tema transborda.


Não lhe parece?




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