Por Gil Piva
Casal. Ewan McGregor e Jennifer Connelly como Swede e Dawn Levov
Quando se coloca àprova os livros de Philip Roth, não é falsa a ideia de que o enredo dramatizadoaponta para os bastidores de uma espécie de “gêneses” — sociais ou individuais.Não há lugar para misericórdia ou compreensão da maior parte dos absurdos quedominam os problemas humanos. Roth é um escritor realista e cruel. E, nestequesito, parece que o cinema enfim descobriu as “cicatrizes” intimistas de seuslivros.
Écom esta certeza, por assim dizer, que o filme PastoralAmericana, lançado em dezembro do ano passado e só agoradisponível no Brasil, consegue a proeza de desnudar tanto as eficiências dolivro homônimo quanto “descaracterizar” as insuficiências inerentes às próprias— mas grandiloquentes — consequências trágicas da narrativa e suasramificações.
Dirigidopor Ewan McGregor, com Dakota Fanning e Jennifer Connelly, o filme narra ahistória de Seymour Levov (McGregor), o clássico herói americano nos tempos docolégio, idolatrado pelo seu valor atlético e ilustre camarada. Anos depois, aose casar com uma antiga rainha de beleza da cidade (Connelly), herda osnegócios rentáveis — e tradicionais — não só de seu pai e de sua família, comotambém parte de um símbolo histórico da vida americana. A vida, até então,parece perfeita, até que a filha do casal começa a manifestar atitudespolíticas extremistas, participando de atos terroristas.
Opapel que o comportamento dela exerce sobre seus pais é apenas um exemplo deenveredamento por um conflito em que o estilo americano de vida, regado àexcentricidade de uma perfeição, vai se declinando aos poucos diante dos ideaisfantasiosamente consolidados. Eis o mote de qualquer livro de Roth.
EwanMcGregor conduz com maestria essa “linda” história recheada de causas à derivae consequências em suspenso. Ele mantém o mesmo clima desolador do romance,embora modifique em partes o final do livro — e nem por isso o filme deixa deser fiel, e bem fiel aos estratagemas literários.
Sobseu comando, há presente ainda a figura do alter egode Roth, o escritor Nathan Zuckerman. Têm-se aí dois momentos: no primeiro, oespectador vê Zuckerman ouvindo do irmão de Levov todos os pormenores dahistória. Detalhe, Zuckerman fora amigo dele nos tempos de colégio. E, nosegundo momento, menos claro no filme, a narrativa que o espectador acompanhaapreensivo trata-se do já escrito livro de Zuckerman sobre Levov.
McGregorapostou nessa valorização e contemplou talvez o que ficaria mais evidente parao leitor não iniciado em Roth. Tanto que as atuações estão impecáveis e oespectro incomodativo do livro também prevalece. McGregor deixa sua marca comodiretor estreante e se sai muito bem.
PastoralAmericana não é uma obra fácil de se adaptar, porémMcGregor elege o melhor das premissas que giram em torno das complicações daspersonagens além de resultar num espetáculo investigativo dos afetos edesafetos típicos de Roth.
Filha. Dakota Fanning como Merry Levov