Por João Leonel / Zé Renato
Juca Kfouri
Há quase cinco décadas ele trabalha com informação. Mas também opina. E suas opiniões incomodam alguns “donos do papel”, não donos do poder, porque poder, poder mesmo, têm os que são verdadeiramente livres. E o personagem desta entrevista especial, concedida com exclusividade ao Cultura!, tem a alma libertária, não se cansa e não se cala nunca. Suas críticas, ácidas e certeiras, atingem em cheio diversos envolvidos em esquemas corruptos e bilionários, que, na maioria das vezes, recebem de presente o “esquecimento” (acobertamento) de muitos veículos de comunicação, cúmplices desse sistema todo errado que tanto nos envergonha.
Ainda adolescente, então militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), contribuiu na luta contra a ditadura militar. Foi figura importante durante as Diretas Já! e acompanhou, como poucos, a Democracia Corintiana. Certa vez, durante uma entrevista, o polêmico jornalista Jorge Kajuru se referiu a Juca Kfouri como uma reserva moral desse país. Num lugar carente e expropriado de recursos morais e éticos, onde prevalece a lógica vagabunda do “levar vantagem em tudo”, “me dando bem, danem-se os outros”, nosso entrevistado permanece um exemplo de integridade. Prova viva de que é possível conciliar trabalho sério, compromisso consigo e com o mundo. Formar, sem deformar. Mais do que informar, propor dúvidas e questionamentos. Tudo isso temperado pelo nobre sangue corintiano.
José Carlos Amaral Kfouri, 67 anos, é um dos mais atuantes e conceituados jornalistas do Brasil. Formado em Ciências Sociais pela USP, fincou sua atuação profissional na área esportiva. Foi diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV!, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT Juca Kfouri Ao Vivo, entre 1996 e 1999.
Atualmente está na ESPN-Brasil, onde tem cadeira cativa na bancada do programa Linha de Passe. Colunista de futebol do jornal O Globo entre 1989 e 1991, atua, desde 2000, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha.
Com o “Rei” Pelé Após uma entrevista com Pelé, publicada na Playboy, nos anos 90, ambos desenvolveram uma amizade especial. Em 2001, o jornalista trabalhava numa biografia do ídolo, quando foi consultado sobre uma decisão polêmica. O “Rei” estava prestes a assinar um acordo denominado “pacto da bola”, que propunha um novo calendário ao futebol brasileiro. No entanto, por trás da manobra estava uma jogada para melhorar a situação de Ricardo Teixeira, então implicado na CPI do Futebol. Juca desaconselhou Pelé a firmar o acordo, mas o ídolo não acatou, pois entendia que o gesto poderia representar “a salvação do futebol brasileiro”. Foi então que Juca disse que só prosseguiria na biografia se pudesse incluir um capítulo cujo título seria: “O dia em que Edson traiu Pelé”. O livro, evidente, não saiu, e a amizade estremeceu.
No Linha de Passe Figura carimbada na bancada do programa “Linha de Passe”, do canal ESPN, ao vivo nas noites de segundafeira. Na mesaredonda que debate sobre futebol, Juca está ao lado de Mauro Cezar Pereira, Arnaldo Ribeiro e Gian Oddi. A apresentação é de Paulo Andrade, também narrador dos canais ESPN Brasil
Ele não se cansa nunca... Há mais de 30 anos - Ativismo político pelas Diretas Já!, nos anos de 1983/84, Juca Kfouri convidando a população para o histórico comício no Vale do Anhangabaú, que levou mais de 1 milhão de pessoas ao Centro de São Paulo; na outra foto, registro de um dos comícios pelas “Diretas”, reunindo personalidades que defendiam o “voto livre” e lutavam pela redemocratização do Brasil: então lateral esquerdo do Corinthians, Wladimir, o ator Kito Junqueira, a atriz e cantora Tânia Alves, craque Sócrates, Juca Kfouri, diretor de futebol corintiano, Adilson Monteiro Alves, e o eterno “pai da matéria”, locutor esportivo Osmar Santos
• Como avalia o momento atual do Brasil, pensando-o em analogia à onda reacionária que assola o mundo?
O Brasil é alvo de uma onda conservadora, estimulada pelo capital financeiro que mais e mais exclui os excluídos e beneficia uma pequena elite que domina os meios de comunicação e vende como de bom senso o fim dos direitos do trabalhador.
• Qual sua definição sobre o PT no poder, tanto no período Lula quanto no período Dilma?
Não é minha, é do ex-governador da Bahia, Jaques Wagner: “O PT lambuzou-se”. Uma lástima!
• E quanto ao Temer? O que pode falar do atual presidente do Brasil?
Temer é um acidente histórico, um pequeno traidor, de quem a História não guardará nem as mesóclises.
• Presidente da CBF que não pode sair do Brasil, ex-candidato à presidência da República idem — aquele mesmo que bradou ‘contra a corrupção’ com a camisa da ‘dita cuja’ durante o ‘golpe’. Lula no banco dos réus, o PT em xeque. Continua achando mentira que não exista mais esquerda ou direita? Você acha que ainda existe ideologia?
É de esquerda quem luta por incluir os excluídos. É de direita quem acha que tudo é muito natural e que para haver riqueza tem de haver pobreza. É de direita também quem quer convencer as pessoas de que não existem mais direita e esquerda. Porque têm vergonha de serem de direita e medo da esquerda.
• Sobre a ‘estranha’ demissão do jornalista José Trajano: é possível pensarmos que a censura está de volta?
Trajano estreará um programa de entrevistas no Canal Brasil, da Globosat, e está com o Ultrajano no YouTube, além de um podcast. Tentaram cassar-lhe o direito de ser cidadão. Em vão.
• A oração ‘a imprensa é livre’ é uma falácia?
Ainda temos liberdade de empresa, não de imprensa.
• Ter se recusado a concluir a biografia do Pelé, ninguém menos do que o maior jogador de futebol de todos os tempos, projeto que inclusive contava com a autorização do Rei do Futebol — numa época em que vocês mantinham laços mais próximos de amizade —, chegou a ser uma frustração profissional? Hoje, como se sente em relação a esse episódio?
Sim, frustrante foi. Mas tenho absoluta convicção de que fiz a coisa certa.
• Conte-nos algumas passagens marcantes de seu convívio com Casagrande e Sócrates quando eles jogavam juntos.
Ah, isso fica para o livro de memórias que estou terminando de escrever...
• Como define a situação do técnico Tite quando você diz que ‘a CBF não merece a Seleção Brasileira’? Teria algo em comum com o episódio da briga entre ‘Doutor’ e ‘Casão’ quando o já ex-centroavante foi trabalhar na TV Globo, já que você possui a experiência de ter trabalhado de 1988 a 1994 no referido canal de comunicação?
Não, nada a ver. Ali o Magro foi injusto com o Casão. Tite estar na CBF não seria um problema maior se ele não tivesse assinado o manifesto que exigiu a democratização da entidade e a saída do Marco Polo que não viaja.
• Para descontrair, dedicando ‘La Décima’, como a nossa Copa de Futebol Júnior deste ano, especialmente aos ‘Antis’: o ódio e a inveja que sofrem os corintianos seriam provocados por nossas extremas perfeição e humildade? Como concluiria a seguinte sentença: ser corintiano é...
...um privilégio!
• Finalizando: um espaço para você definir ‘seu’ Corinthians e a Seleção Brasileira de todos os tempos (será que sai uma Seleção Mundial de todos os tempos?).
Timão de todos os tempos: Gylmar, Zé Maria, Gamarra, Amaral e Wladimir; Dino Sani e Rivellino; Cláudio, Sócrates, Ronaldo e Tevez.
Seleção Brasileira de todos os tempos: Gylmar dos Santos Neves, Djalma Santos, Márcio Santos, Aldair dos Santos e Nilton Santos (uma defesa santificada); Paulo Roberto Falcão e Didi; Mané Garrincha, Tostão, Pelé e Rivellino.
Seleção Mundial de todos os tempos: Buffon, Djalma Santos, Baresi, Beckenbauer e Nilton Santos; Falcão e Cruijff; Garrincha, Maradona, Pelé e Messi.
Em abril de 2016, participou do ato da “Democracia Corinthiana” contra o “golpe” político que culminou no impeachment de Dilma Rousseff. No vão livre da História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Juca se juntou a figuras históricas da Democracia Corintiana, movimento ocorrido entre jogadores e dirigentes do Corinthians no início da década de 1980, dando “vez e voz” à luta pela democracia: ladeado pelo ex-lateral Wladimir, o ex-diretor de futebol e sociólogo Adilson Monteiro Alves, o fundador da Gaviões da Fiel, jornalista Chico Malfitani, o também jornalista Antônio Carlos Fon, a representante do Levante Popular da Juventude, advogada Beatriz Lourenço, e o participante do coletivo Democracia Corinthians e do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO), pesquisador e jornalista Walter Falceta.