Por Eliana Jacob Almeida
O texto é bem-humorado e caricato. Pessoas moram em um condomínio cuja maior garantia é a segurança. Há muros altos, câmeras de circuito com olhos por toda parte; lá só entram moradores e visitantes com os devidos crachás. Entretanto, ocorreram assaltos; houve a necessidade de fazer outro muro, colocar grades em todas as janelas das casas, reforçar a guarda do condomínio com cães. Os proprietários com mais dinheiro e bens materiais se mudaram para uma área de segurança máxima. Assim, de forma irônica e hiperbólica, em sua crônica Segurança, Luis Fernando Verissimo vai aproximando gradativamente a imagem de condomínio com a de uma prisão. E termina dizendo que “agora” os ladrões pouco conseguem ver o que acontece lá dentro, da mesma forma que os moradores pouco enxergam lá fora. Com as mãos agarradas às grades, estes veem o movimento da rua, tristes e melancólicos.
A progressão das medidas adotadas diante da violência dá a medida exata de nossa impotência perante os perigos da vida. É natural nosso desejo de proteção, que nasce da busca da preservação da espécie. Mas nesse sentido nossa luta é inglória, se observarmos que a maior parte de nosso dia, de nossa vida acontece do lado de fora dos muros dos condomínios. Há um momento em que temos que enfrentar o mundo. Precisamos ir para o trabalho, para a escola, para a igreja; clubes, farmácia, padaria...
Então, quem estará livre de acidentes de trânsito? De assaltos nas ruas? De tempestades, enchentes, raios?
Mesmo lá dentro, as doenças podem nos assombrar e nos alcançar a qualquer hora. Os acidentes domésticos, como tombos e queimaduras, não escolhem endereço. Aquele vizinho inconveniente, que ouve sua música preferida em volume muito alto, também pode morar lá, assim como donos de cachorros que latem a noite inteira no muro ao lado perturbando o seu sono. Ninguém estará livre — também nos condomínios — dessas pequenas chateações.
Isso não significa que não devamos nos preocupar com a tranquilidade nossa e de nossos entes queridos; apenas não exagerar ao gastar tempo e dinheiro investindo em redomas que nos prometam proteção total e vida eterna.
É difícil viver com a ideia do instável — “viver é muito perigoso!” —, não existem garantias. A vida é um “kit” composto de perdas e ganhos e estamos expostos a uma variedade enorme de imprevistos — bons e ruins. É importante buscarmos segurança, mas com cuidado, para não acabarmos agarrados às grades, melancolicamente, olhando o movimento da rua.
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ELIANA JACOB ALMEIDA, PROFESSORA, ESCRITORA E DIRETORA-PROPRIETÁRIA DA ESCOLA EM BOM PORTUGUÊS, É AUTORA DE “ENQUANTO É TEMPO”, “MANUAL DE REDAÇÃO NOTA 1000 PARA O ENEM” E “A FAMÍLIA-MOSAICO DE CAIO E LUÍSA”. ESCREVE CRÔNICAS PARA JORNAIS E REVISTAS DESDE 2003