Por Lino Marfioli
ERA UMA VEZ
(fábula sobre o fabuloso, o que havia de haver)
Para
Manoel de Barros, poeta das coisas simples
Era uma vez um homem...
Carregava o outono na voz
e no olhar o macio de uma antevisão.
Vislumbrava — primavera de afagos —
almofadinhas de bem querer.
Indagava, no azul, os caminhos do quando.
Amalgamava as possibilidades do verde,
alargava margens, o como, as adjacências da cor.
E existia então.
Não era somente canto;
habitava silêncio fecundo.
E confeitava o recordar — o que seria, se fosse...
Talvez esperasse o inesperado.
Quem sabe a essência, o perfume?
E polvilhava a esperança...
Argamassava luas
e sóis, no crepitar das auroras.
Degustava, lento, a gema adocicada do sonho.
Seu corpo — horizonte coalhado de flores —
convidava o desejo, o sequioso pássaro,
o sorriso moreno da amada.
E gestos de musgo houvera
no aveludado amoroso das mãos.
E nem se sabia infinito, se era,
se podia ser, assim,
inocência exalando, no coração do eterno.
12/04/2011
*
LINO MARFIOLI
É PROFESSOR APOSENTADO
NO CIRCO
(procura-se um malabarista)
Para
Ari Marcelino de Oliveira Filho
O sofrimento faz parte da vida.
Há casos em que ele é a própria:
ela é o machucado que dói.
Mas sei que o show não pode parar.
Só peço que cancelem a apresentação do palhaço.
Demitam-no, e chamem o malabarista.
Hoje não tem goiabada.
Hoje não tem marmelada.
(Hoje não tem maquiagem nem piruetas de momo)
Nada é tão patético, tão escandalosamente trágico
como um palhaço sem graça.
O distinto público merece
ser poupado desta infâmia.
(E é preciso fazer valer o valor dos ingressos)
18/11/2010
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LINO MARFIOLI
É PROFESSOR APOSENTADO