Por Laís Midori da Silva
É indiscutível o fato de que a nossa sociedade vive, hoje, um momento de extremo retrocesso. Censura nas artes, aumento da intolerância com os grupos LGBTs, a manifestação de um desejo cada vez maior pela estratificação da sociedade, o projeto escola sem partido e os resquícios de uma Idade Média teocêntrica que pairam sobre nossas cabeças desrespeitando a laicidade do Estado são apenas algumas das ocorrências que me assombram e me obrigam a pensar sobre o futuro do Brasil.
No entanto, infelizmente, na maioria das vezes em que tais assuntos entram na pauta de qualquer diálogo, a cegueira das pessoas as impede de, ao menos, ouvirem o ponto de vista alheio sem, antes, partirem para as agressões.Questionam a sua forma de ver o mundo, não aceitam o fato de que, apesar de ter crescido numa família conservadora, você tenha se livrado dessas amarras e, principalmente, julgam a sua infidelidade com a formação religiosa à qual foi submetida desde a infância. Dizem que é culpa da faculdade. Do curso de humanas, para ser mais específica. Ateia. Descrente. Comunista. Socialista.Porque eles nem sabem a diferença entre os termos. É uma pena, pois é justamente o contato com as mais diversas ideologias e histórias de vidaque permitem ao cidadão abrir os olhos e começar a questionar o mundo em que ele vive. Todos nós temos uma visão restrita, endossada pelas situações, pelo ambiente e pelas pessoas com as quais convivemos. É a era do Post-truth.
Cabe lembrar, entretanto, que a vida é muito mais do que um velho belchior, como diria o canário do conto machadiano. “O mundo é um espaço infinito e azul com um sol por cima”, mas a sociedade só será capaz de compreender a maravilhosa grandeza e diversidade desse mundo se estiver disposta. E não está.
O sol da liberdade jamais brilhará para todos e a convicção será o elemento destruidor dessa precária população. As pessoas continuarão a julgar o nu do museu e a execrar a mãe que levou a garotinha para tocar o artista. Farão acusações, denúncias e dirão que aqueles que acham tal situação normal são pedófilos. Acho que é essa radicalidade que me incomoda. Um aluno questionou-me, recentemente, sobre esse caso e o cancelamento do QueerMuseu no Santander Cultural. Eu disse que temoa censura e o cerceamento dos direitos do cidadão. Ele retrucou e enfatizou a participação da criança. Fiquei a pensar. Concluí que, tomando por base a educação que recebi, jamais levaria minha filha ou filho a uma exposição dessas. Na minha casa ninguém toma banho de porta aberta e jamais vi meu pai de cuecas a andar pela casa porque ele sempre achou isso um desrespeito. Porém, na casa da minha amiga, todos tomam banho de porta aberta e sempre conviveram com o nu de forma natural. Lá ninguém é pedófilo ou maníaco sexual por isso e, para eles, ver alguém “peladão” —como descreveu um aluno numa prova que abordava o Renascimento— é algo totalmente normal.
O que eu quero dizer com isso? Que não existe uma opinião absoluta e que a família tradicional brasileira, assim como as ideologias, não pode ser engessada. Não há um molde. Não há uma única crença, um único partido. Não há apartidarismo. Há, sim, diversidade. Enquanto as pessoas tentarem padronizar nossa sociedade, segundo a referência ultrapassada de uma pirâmide social, cuja base é composta por “servos” e o ápice constituído por“deuses” e “reis”, excluindo e desejando o extermínio das minorias, eu terei motivos de sobra para temer o retrocesso e lamentarei o fato de que nem todos são capazes de usufruir da beleza do céu infinito e azul capaz de neutralizar qualquer diferença através de sua imensidão. Por um país mais tolerante. Good vibes!
*
LAÍS MIDORI DA SILVAÉ DOUTORANDA EM LETRAS PELA UNESP