HISTÓRIAS DO T

LEMBRA DOS 'BAILES DE ALELUIA' DE ANTIGAMENTE?

LEMBRA DOS 'BAILES DE ALELUIA' DE ANTIGAMENTE?

Por Claudinei Cabreira

Por Claudinei Cabreira

Publicada há 7 anos


Continuando nossa prosa da semana passada sobre as tradições de antigamente durante a passagem da Semana Santa, lembro que logo cedinho no sábado de Aleluia, o povo da colônia da Fazenda Jagora, onde morei parte da minha infância, se dividia em duas turmas. A primeira delas reunia os mais velhos, as mulheres e os mais jovens, organizavam junto com a criançada, a confecção dos enfeites do terreirão e do boneco de Judas, para a malhação que acontecia sempre por volta do meio dia. Outra turma era formada por homens e rapazes mais fortes, munidos de machados, facões e serrotes, que ficavam com a incumbência de cortar bambus e depois executar a montagem da estrutura da barraca do “Baile de Aleluia”, que depois de erguida no terreiro de alguma casa da colônia, era coberta por encerados de lona.

Lembro que todo mundo ajudava com fé e vontade e sempre no finalzinho da tarde, a barraca ficava pronta. Logo em seguida, todos rumavam para suas casas para tomar um bom banho de “chuveiro Tiradentes” ou de “bacião” mesmo, para depois se arrumar no capricho, sempre com a melhor roupa, para fazer bonito no baile. Os homens costumavam ir de terno, alguns com terno de linho, enquanto as mulheres sempre estreavam um vestido novo de chita e se maquiavam com pó-de-arroz. Pensa o quê? O povo da roça, apesar de simples, era chique e tinha lá também as suas vaidades! Afinal, o Baile de Aleluia era sempre muito aguardado. Enfim, era o grande acontecimento social do ano nas fazendas.

Mal a noite caía e o povo das fazendas e sítios da vizinhança ia chegando em grupos para o grande baile. As moçoilas daqueles tempos inocentes, sempre muito recatadas, sentavam-se nos bancos de madeira que eram colocados nas laterais da barraca e ali ficavam fazendo hora, conversando com umas com as outras. Por outro lado, os homens e os rapazes se juntavam em torno da barraquinha-bar para colocar a prosa em dia e “molhar a palavra” tomando um copo de chibóca, uma dose de conhaque ou uma talagada da caninha Tatuzinho, prá criar coragem e depois ir lá tirar as moças prá dançar.

Esse era o jeito caipira de quebrar a inibição natural do matuto e se declarar para aquela morena faceira. O sujeito era peão de segurar touro na unha, mas na hora de conversar com a sua pretendida, as pernas bambeavam.  O homem da roça sempre foi um caboclo muito recatado e econômico nos gestos e nas  palavras, principalmente nestas situações. Naqueles tempos, os namoros começavam “de rabo de zóio”, contava meu pai, com um risinho maroto.

Se a moça correspondia ao olhar ou dava aquela piscadela disfarçada, logo depois o casalzinho se acertava varava a noite dançando junto. Era o começo do namoro, que antigamente era um troço prá lá de complicado.  Depois, nos dias seguintes, o namoro avançava com recadinhos de boca ou bilhetinhos com declamações, levados sempre pelo mesmo portador de confiança do casal, que sempre voltava para pedir a resposta. Dos bilhetinhos, para cartinhas secretas e mais apaixonadas, era um pulo. Assim eram marcados os novos encontros em bailes, terços, festas e nos casamentos que aconteciam na colônia ou nas redondezas. Quase todo namoro que começava de “rabo de zóio”, sempre terminava em “casório”. E se por uma razão ou outra, a mão da noiva não era dada pelos pais da moça, logo ela era “roubada” pelo noivo, que depois acabava se apresentando prá família e casando, de “papel passado”.

Mas voltando ao nosso “Baile de Aleluia”, sempre um pouco mais tarde chegavam os “artistas da noite”, geralmente um trio, formado por um sanfoneiro, um violeiro e um tocador de zabumba, moradores da própria colônia ou das redondezas. Eles se acomodavam em cadeiras que eram colocadas sobre uma ou duas mesas, no centro da barraca e invariavelmente, o sanfoneiro puxava um clássico do lendário Mario Zan, para abrir o arrasta pé. Depois de algumas modas caprichadas, uma pausa para os músicos molharem a goela com chibóca ou um gole de vinho “Sangue de Boi”,  e pronto,  o pau quebrava de novo.

E quando eles tocavam os grandes sucessos de Tonico e Tinoco, então? Era soltar  “Moreninha Linda”, ou  a famosa Cana Verde....“Abre a porta e a janela/ Venha ver quem é que eu sou/ Sou aquele desprezado/ Que você me desprezou”, e aí acontecia o chamado “limpa banco”. Ninguém ficava sentado e a poeira levantava do chão. As cordas das Alpargatas Roda, as solas das botas, dos botinões e dos tamancos, se acabavam naqueles bailados alegres do sertão, que varavam a noite até o raiar da aurora. O povo se divertia bem.

No dia seguinte, a festança na roça continuava com os grandes almoços de Páscoa, onde as famílias se reuniam, quase sempre nos terreiros das casas, à sombra de grandes mangueiras ou paineiras. Lembro da minha “Noninha  Egle” fazendo a massa de seu famoso e legítimo macarrão italiano, que depois de pronto, era servido com pedaços e caldo de galinha caipira. Era de encher a boca de água, lamber os beiços e limpar o prato!

Mas havia também sempre uma leitoa assando no forno à lenha, embrulhada em folhas de bananeira, ou um bom pernil de capado, temperado no capricho. Nesse dia especial, os homens “matavam” um garrafão de vinho “Sangue de Boi” ou tomavam cervejas que vinham em garrafas empalhadas. Algumas mulheres da família tomavam cerveja preta, a famosa Malzibier, enquanto as outras faziam como as crianças e se empanturravam de  Tubaina, Sodinha Ferrari ou Q-Suco. Depois, no finalzinho da tarde, todo mundo ia para o campo de futebol que ficava pouco acima da colônia, torcer pelo time da Fazenda Jagora, que sempre jogava contra um time das redondezas ou um time da “Vila”, como dizia o povo da roça quando se referia à cidade. Bons tempos aqueles. Semana que vem tem mais. Até lá.

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