No comecinho da noite de quinta-feira da semana passada, caminhando pela área central da cidade, notei uma grande aglomeração ao lado da Banca Florêncio, ali na Praça Joaquim Antônio Pereira. Curioso com aquele movimento inusitado, fui até o local e pude ver dezenas de crianças e adultos acomodados em mesas, outros em pé, empolgados, focados em seus álbuns da Copa do Mundo e ao mesmo tempo trocando figurinhas repetidas.
Como num passe de mágica, aquela cena me remeteu de volta aos bons e velhos tempos da minha infância. A primeira lembrança que tenho de um álbum de figurinhas é bem antiga, era da Copa do Mundo de 1958, disputada no Chile onde a seleção brasileira conquistou o bicampeonato.
Naquela época, meu tio Manoel, no auge de seus vinte anos, quase ficou maluco por causa de uma figurinha que ficou faltando para completar uma página de seu álbum que formava a imagem de uma linda Lambreta. Ele tinha conseguido quase todas as figurinhas daquela página, inclusive duas carimbadas, mas faltava a tal “figurinha chave”, a mais difícil de todas. Lembro muito bem que era a número quatro, que formava a roda dianteira da tal Lambretta, um tipo de motoneta, igual a Vespa e que era o sonho de consumo da moçada dos anos dourados.
E olhe que o tio Manoel era o “sortudo” da família. Uma vez ele acertou uma fração de bilhete no primeiro prêmio da Loteria Federal e tempos depois, também ganhou um carro em um bingo, aqui no Estádio Municipal. Rifas de frangos em quermesses, era covardia, ganhava sempre. Mas, a tal Lambretta, não teve jeito. Comprava pacotes e pacotes de figurinhas e nada de achar a famosa número quatro. A nossa torcida era tanto, que acredito que acabamos “secando e queimando” o coitado.
Aquilo virou uma febre e quase todo mundo tinha um álbum. Lembro que a gente comprava pacotes e pacotes de figurinhas para tentar fechar as páginas que davam prêmios. E por conta disso, é claro, a maioria das figurinhas desses pacotinhos eram as chamadas “carne de vaca”, as repetidas. Havia as difíceis, as carimbadas e as raríssimas figurinhas “chave” que fechavam as páginas. Então, a gente juntava as repetidas e rumava para a feirinha de trocas que havia na frente da Agência Caiçara.
Além das trocas de figurinhas, a molecadinha também jogava “bafo” o dia todo no piso das portas de algumas lojas e do antigo Cine Santa Rita. O jogo de “bafo” era bem simples; cada jogador colocava um determinado número de figurinhas combinado, tirava-se o famoso “par ou impar” e o vencedor batia com a mão fechada sobre o bolo de figurinhas, no abafo. Foi daí que surgiu a expressão de “jogo do bafo”. Quem batia, ganhava todas as que viravam. O impressionante é que muitos meninos acabaram desenvolvendo uma técnica no jeito de bater, virando rápido a mão, de forma que conseguiam muitas vezes virar de uma só vez, o monte inteiro.
E será que você, mais “experiente” ainda se lembra da “bifa”? Ah, a “bifa” era terrível! Sempre havia os malandros, geralmente molecões grandões e bem chatos, eram os antigos bad boys. Sempre chegavam de surpresa e batiam com força na mão de quem estava trocando figurinhas. Era a tão temida “bifa” que fazia voar todas as figurinhas. E quando isso acontecia, a regra era simples; quem estivesse por perto e apanhasse as figurinhas caídas no chão, era dono e pronto. Não tinha conversa. E foi daí que surgiu outra expressão muito comum na época, o “rapelado”, o distraído. “O Pedrão bateu “bifa” no Joãozinho e aí todo mundo rapelou o coitadinho”.
Por conta dessa tal de “bifa”, de vez em quando saia alguns sopapos, mas naquele tempo tinha a turma do “deixa-disso”, que logo chegava e separava os beligerantes. E tudo voltava ao normal. Acho que foi ali na feirinha de figurinhas da porta da Caiçara que muita gente, hoje bem sucedida no comércio local, aprendeu as primeiras lições da arte de negociar. Bons tempos aqueles.
Hoje tudo é muito diferente, para melhor e mais organizado. Acredito que a “bifa”, um terrível buylling daqueles tempos bicudos, deva ter desaparecido por completo. O jogo de “bafo”, uma atividade bem mais civilizada, não sei se resiste ainda. Mas a troca de figurinhas ficou bem mais organizada, com a disponibilização de mesas e cadeiras para conforto e acomodação dos colecionadores, que se encontram em dias e horários estabelecidos pela nossa amiga Rogéria, da Banca Florêncio.
Se você, seus filhos ou netinhos estão montando o álbum da Copa do Mundo, as trocas de figurinhas acontecem sempre ás terças e quintas-feiras das 19 ás 21 horas. Aos sábados, das 16ás 20hs e aos domingos, das10 às 13hs. Mas, as histórias de álbuns de figurinhas ainda vão render mais um capítulo. Semana que vem tem mais. Até lá.