ARTIGO

A indústria da multa

A indústria da multa

Por Amaury César Soares

Por Amaury César Soares

Publicada há 6 anos

No mês de maio, o Poder Executivo enviou à Câmara dos Deputados um projeto de lei propondo alterações no Código de Trânsito Brasileiro. O projeto recebeu diversas críticas, principalmente em razão da proposta de mudança do artigo 168, acabando com a multa prevista para o motorista que transportar crianças, sem observância das normas especiais estabelecidas na legislação. A repercussão negativa em relação a essa medida é plenamente justificável.

É incrível como o governo cria antipatias gratuitas para seus projetos. Não faz o menor esforço para evitar a polêmica, o confronto e as críticas. É uma pena que isso ocorra, porque medidas importantes podem ser comprometidas pela aversão ao projeto como um todo.

Uma dessas medidas importantes é a alteração do artigo 261, inciso I, do CTB. Este dispositivo legal prevê a suspensão do direito de dirigir ao motorista que atingir a contagem de 20 pontos (conforme tabela fixada no artigo 259), no período de 12 meses. Pela proposta, esse limite passará de 20 para 40 pontos. Apesar das críticas contrárias, entendo que a alteração é necessária.

O problema não está propriamente nos artigos citados. O problema está nos limites de velocidade estabelecidos pelas autoridades de trânsito. Em algumas cidades, em determinados locais, ele é extremamente baixo, sem qualquer justificativa aparente: 30 (ou 40) quilômetros por hora. Não há escolas ou hospitais por perto, nem movimento intenso de pedestres. Nesses locais, os motoristas acabam ficando mais atentos ao velocímetro que à via pública.

Da mesma forma, nas rodovias, em certos trechos, o limite cai para 80 (até 60) quilômetros por hora, sem qualquer razão plausível. Qualquer descuido em relação ao velocímetro e o condutor, sem perceber, ultrapassa o limite estabelecido. E podem ter certeza de que nesses pontos específicos há sempre um radar. Não porque ocorram muitos acidentes ali. Provavelmente não deve ter ocorrido nenhum. Ficamos com a sensação de que o objetivo é multar e arrecadar. Diante da dificuldade de aumentar impostos, o poder público descobriu outra fonte de receitas. É a chamada “indústria da multa”.

Evidentemente, os motoristas que colocam em risco a vida de outras pessoas devem ser afastados do volante. Nesses casos, as punições devem ser rigorosas e exemplares. Mas as pessoas estão sendo autuadas (e perdendo sua CNH) dirigindo a velocidades muito baixas. Elas sendo imprudentes? Estão colocando em risco a vida de alguém? É óbvio que não. O limite é que está errado. Entretanto, quatro ou cinco infrações provocam a perda do direito de dirigir por seis meses.

Os maiores prejudicados pela atual legislação são os indivíduos que precisam do carro para trabalhar. Como eles dirigem o veículo todos os dias (às vezes, o dia todo), estão mais sujeitos a serem autuados e perderem a habilitação.

Sempre que o assunto entra em pauta nos órgãos de comunicação, aparece um desses “especialistas” criticando o projeto, afirmando que ele vai provocar o aumento do número de acidentes. É uma afirmação muito simplista. As alterações devem ser analisadas com mais profundidade. Afinal, criticar é sempre mais fácil que encontrar soluções.

Recentemente, a Folha de São Paulo publicou uma pesquisa, revelando que a maioria dos brasileiros é contrária às mudanças propostas. Acredito que a opinião pública tenha sido influenciada pela cobertura da imprensa. Tudo isso poderia ter sido evitado se o governo tivesse agido com mais cuidado e bom senso. A discussão provavelmente teria tido outro nível.


Fernandópolis, 15 de julho de 2019.

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