“A mamãe vai lavar roupa e o papai vai trabalhar”, foi a frase corriqueira e desprovida de qualquer preconceito intencional que minha esposa disse a minha filha pequena numa dessas manhãs, explicando as tarefas que caberia a cada um do casal.
Corriqueira, porque assemelha-se a muitas outras frases que pronunciamos diariamente. Sem preconceito intencional, pelo fato de ser um tipo de ideia e visão social que estão incutidas em nossa mente e modo de viver.
Ao repetir e “compartilhar” a afirmação com as crianças, deixamos subentendido que só o papai vai trabalhar, pois parece que lavar roupas não é um trabalho, deixando gravado no entendimento subconsciente infantil tal “verdade”.
Apesar das supostas conquistas das mulheres ao longo dessas décadas, muitas coisas, acredito que as principais, não foram superadas no contexto social real e muito menos no plano conceitual, criado no plano das ideias e no pensamento.
É por essa razão que, desde de cedo, os pais dão bonecas e cozinhas de brinquedo completas para as meninas e caminhões, martelos e bonecos de super-heróis para os meninos.
Jamais ocorre o contrário, pois, se der boneca para o menino, ele pode virar “viado”, como diz a maioria, heterossexual, os mais cautelosos, ou homoafetivo, os politicamente corretos e afetivamente incorretos. Nomes diferentes para o mesmo preconceito.
Devemos dar bonecas para os meninos para aprenderem a tratar a mulher, e aqueles de quem gostam, com carinho e atenção. Presentear com jogos de cozinha para entenderem que cozinhar é trabalho para qualquer pessoa.
As meninas devem receber martelos e bonecos de super-heróis para compreenderam que também tem força, se não física, pelo menos a dignidade e grandeza de seus heróis.
Ensinando as crianças dessa forma, evitaríamos (como sociedade) a dupla jornada de trabalho das mulheres, que, quando tem uma atividade fora do lar, também se responsabilizam pelo trabalho doméstico.
Da mesma forma, livraria essas mesmas mulheres da reclamação de que os homens não ajudam nas tarefas domésticas. Claro, não foram (e ainda não são) educados para exercerem essa função.
Ao contrário das mulheres, que, para serem reconhecidas e terem valorizados seu trabalho e capacidade, se lançaram a exercer atividades antes executadas tão somente pelos homens.
Alcançaram seu objetivo e provaram que tem a mesma capacidade de qualquer homem, até mais que muitos, mas continuaram com o trabalho doméstico no segundo ou terceiro turno.
Não só esqueceram de ensinar aos homens essa tarefa como também até hoje não tiveram reconhecimento de suas tarefas domésticas igualadas a um trabalho como qualquer outro.
Na minha opinião, sem qualquer modéstia, a essência do movimento feminista era o reconhecimento e a inclusão da mulher “do lar” na classe trabalhadora, não como sinônimo pejorativo de dona-de-casa, referindo-se à mulher que cuida “da casa”, “do lar”, ao invés de indicar a pessoa que dirige ou administra esse lugar, identificando a dona-de-casa como uma categoria profissional.
Parece-me que a partir desse fracasso feminista, somado ao erro da mulher querer demonstrar ser capaz de fazer o que qualquer homem faz, o que também sempre me pareceu óbvio, sem alcançar a devida valorização de ser humano semelhante, ainda que exercendo a profissão de dona-de-casa, é que instalou-se a confusão das funções de cada qual na pós-“modernidade”.
O título do texto foi inspirado no nome da música do grupo Village People, “Macho Man”, executada exaustivamente no ano de 1978, permanecendo até os dias atuais como a canção de temática gay mais conhecida.
Além da música, os membros do grupo se travestiam de índios, cowboys, policiais, motociclistas, trabalhadores da construção civil e soldados, de modo a retratar os estereótipos da comunidade homossexual.
Essa dubiedade de sentido entre a imagem e a função continua a permear o pensamento de nossa sociedade, onde ainda arrumar cozinha, limpar a casa e lavar a roupa é função (não trabalho) da mulher.
Igualmente, ser homem macho, como diz ironicamente a letra da música, é vestir-se de qualquer jeito e ter um corpo sarado, como se não pudesse existir soldado, policial, pedreiro, ou qualquer outro protótipo parecido de ser humano, que seja gay.
Confundiu-se o que é feminino, da mesma forma com o que é ser macho, ou, se preferir, ser homem. Conheço gays muito machos, e muitos cowboys de cinto largo, fivela gigantesca, colete de couro e calça apertada sobre uma calcinha cor-de-rosa de renda guipir.
Talvez por isso o dicionário defina o substantivo macho como “qualquer animal do sexo masculino ou mulo, filho de jumento e de égua, ou de cavalo e jumenta”, assim como seu adjetivo indicando “que é do sexo ou do gênero masculino, forte, valente, corajoso”.
Apesar do próprio substantivo ser masculino, ao contrário, o gênero, sem sombra de dúvida, pode referir-se a qualquer pessoa que desfrute de pelo menos uma daquelas qualidades enumeradas.
A mulher pode ser feminina exercendo qualquer função, até aquelas onde é preciso ser muito macho, porque ser macho é uma coisa e ser homem é outra bem diferente. Assim como ser humano é uma coisa e ser mulo, às vezes, é quase a mesma coisa.
Sérgio Piva
s.piva@hotmail.com