Poucos meses apenas, após os primeiros casos de contaminação da COVID-19 no Brasil, chegamos a um número alarmante de mortos. Se esse vírus surgiu e se alastrou no mundo por negligência humana, um óbito por esse motivo já seria demasiado, pois a vida de cada pessoa é infinitamente preciosa. As ações da Organização Mundial da Saúde para combater esse vírus são valiosas, mas estão sendo suficientes? Os Estados Nacionais e todos os segmentos da sociedade estão adotando medidas condizentes e coerentes para salvar vidas?
Evidentemente, a responsabilidade primeira por cuidar da vida é de cada indivíduo. No entanto, quanto mais uma pessoa assume funções de liderança nas esferas familiar, profissional, empresarial, educacional, associativa, comunitária, cultural, comunicativa, religiosa, econômica e política, mais pesa sobre ela a responsabilidade ética por medidas em defesa da vida. Pesam sobre os governos das nações, especialmente as mais ricas, sobre a Organização das Nações Unidas e sobre as grandes corporações econômicas, responsabilidades maiores.
Algumas nações já passaram pelo pior momento da pandemia. O Brasil, hoje, é seu epicentro. Aqui, a catástrofe anuncia-se maior. A disseminação comunitária é altíssima e acelera-se descontroladamente. O “genocídio” alertado pelo Papa Francisco na carta que escreveu à Associação Pan-Americana de Juízes para os Direitos Sociais, no último dia 28 de março, é hoje realidade. Interesses econômicos influenciam distintas instâncias de governo, sobrepondo-se às vidas humanas que se perdem por falta de medidas sensatas e honestas.
A desonestidade é tamanha a ponto de muitos gestores públicos demonstrarem que medidas reais de controle comprometeriam seus interesses eleitorais. Grande parte do povo, de algum modo, desinformado, ingênuo, manipulado, excluído de participação e muitas vezes reprimido, se torna refém desses interesses mesquinhos. As consequências dessa situação são macabras, preocupando, sobremaneira, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que assim se expressa em sua análise da conjuntura realizada no passado mês de junho:
“O atual governo central optou por caminhos tortuosos no enfrentamento à pandemia. Na contramão da ciência, das recomendações da Organização Mundial da Saúde e desdenhando de experiências exitosas no combate à COVID-19, como o isolamento social, criou uma ‘tempestade perfeita’, associando de maneira enviesada as crises econômica e política à crise sanitária. Essa associação indevida mitigou esforços para o combate à pandemia e produziu graves tensões institucionais, com potencial para aumentar os conflitos sociais e produzir uma erosão democrática.”
O colapso no atendimento hospitalar, alertado desde o início da pandemia, se alastra, agora, pelo país. Se o momento é catastrófico, onde chegaremos com as medidas paliativas, ora em curso? Tornamo-nos gado que vai para o matadouro. Resta-nos a justiça divina. Essa não falha. Se, com fé, por ela combatemos, temos certeza da vitória. Afinal, “se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8,31). Em tudo nos tornamos mais que vencedores, graças a Jesus Cristo que nos amou por primeiro (cf. Rm 8,37). Seu amor nos liberta e nos impele à ação (cf. 2Cor 5,14).
Por isso, em meio à tragédia atual, é esperançoso ver tantos profissionais, sobretudo da saúde, arriscando suas vidas para salvar outras, e a imensa rede de solidariedade gerada por entidades sociais, religiosas, educativas, profissionais e de movimentos populares. É esperançoso ver, também, a luta de muitos em defesa de setores marginalizados. É esperançoso, enfim, ver crescerem em todos os cantos do país, manifestações em prol de uma nação na qual as vozes democráticas valham mais do que as insanidades de um presidente e as astúcias de seus palacianos.
Jales, 02 de julho de 2020.