ARTIGO

Desinovação (ou A Descriação da Invenção)

Desinovação (ou A Descriação da Invenção)

Por Sérgio Piva

Por Sérgio Piva

Publicada há 3 anos

Sempre quis inventar alguma coisa. Desde adolescente, enquanto caminhava ou andava de bicicleta, meu pensamento viajava longe buscando criar algo que ainda não existia ou que pudesse ser transformado. 

Lembro-me com clareza que, em uma das minhas andanças de bicicleta pelas ruas da cidade, enfrentei uma subida um pouco íngreme no caminho que percorria todos os dias até o trabalho. 

Foi quando pensei em uma maneira de aliviar o esforço, pois havia vários tipos de catracas para bicicletas, sendo que as maiores ajudavam a diminuir a força para se alcançar o topo de um aclive. 

Faltava, assim, descobrir uma forma de colocar duas catracas na mesma bicicleta, uma grande para as subidas e outra de tamanho menor para os lugares planos.

Até esse ponto, tudo bem, minha invenção era genial. Mas precisava achar um jeito de mudar a corrente de uma catraca para outra. Meu pensamento fixou-se nessa tentativa por muitos quarteirões do meu itinerário. 

Eis que, de repente, veio-me à memória a lembrança (como se ela fosse uma figurinha do álbum da copa que tivesse sido colada bem no meio da minha testa por um forte tapa de uma mão enorme) de que a bicicleta com marchas já existia. Que pena. Foi frustrante. Estava quase em vias de patentear meu invento. 

Nunca desisti de querer inventar o que quer que fosse, porém, essa tarefa ficava cada vez mais difícil, porque tudo que pensava em criar já havia sido inventado. 

Mas essas tentativas me tornaram mais observador e admirador de certas invenções e inovações inseridas em nosso cotidiano rotineiro e que, por isso, quase sempre passam despercebidas, como é o caso da impressora para computadores. 

Acho fantástica essa invenção. Transformar códigos em imagens concretas. Mais fantásticas ainda são as impressoras 3D, já disponíveis no mercado para qualquer pessoa, desde que ela tenha dinheiro para adquiri-las, já que o preço ainda é salgado.

Tanto inventar como inovar (palavra da vez nos dias atuais) não é uma tarefa das mais fáceis. Tampouco impossível, dado às inúmeras invenções e inovações existentes ao nosso redor. 

A Inovação, ou seja, a implementação de ideias criativas dentro de um contexto específico, nem sempre é sinônimo da criação de algo novo. Inovar pode ser melhorar aquilo que já existe, seja um produto, serviço, processo ou arranjos de organização. A impressora 3D é um claro exemplo de inovação. Será que o contrário também existe, uma inovação às avessas?   

Minhas observações dizem que, sim, existe. Vejamos um exemplo do nosso dia a dia: o guarda-noturno. Estou falando daquele que faz a vigilância das residências, toma conta da nossa rua, como costumam dizer. 

Uma invenção interessante de um serviço necessário. Não sei quando foi criado. Imagino que há muito tempo. Recordo-me desde criança da sua existência. Também da existência de um acessório que se tornou a marca registrada dos guardas-noturnos: o apito.

Na minha infância, o apito tinha certa serventia, pois era um tempo (quando a gente usa essa expressão, significa que não somos mais tão jovens cronologicamente) em que ladrão tinha medo de guarda-noturno. Acredito que o apito era um aviso para dizer “estou aqui, não se atreva a vir”. 

Hoje, quando usam o apito, não vejo muita razão nesse acessório, que avisa ao meliante onde precisamente está o guarda, dando tempo para que aquele possa dar andamento ao seu intento, já que o vigia não está próximo e, pelos apitos, sabe quando tempo demorará a chegar.

Até aqui, quase tudo bem. Mas não é que inovaram o guarda-noturno! Criaram um guarda que anda de moto, que realiza as rondas com mais rapidez e maior agilidade. E mais, inovaram o apito. Deus do céu! 

Substituíram-no por um sinal sonoro eletrônico, uma espécie de buzina irritante. Se a segunda função do apito já era a de não deixar a gente dormir, avisando que aquele a quem devemos a mensalidade estava ali presente, esperando o momento da cobrança, o novo sinal vai além. 

Ele é capaz de avisar a quilômetros onde está o guarda-noturno e, ainda, de não deixar, em hipótese alguma, a gente repousar tranquilamente, porque aquela buzina emite um som agudo tão forte que consegue ir diretamente lá no fundo do nosso cérebro e gritar bem alto “OLHA O GUARDA!”. E eu nem sou ladrão. Afora o fato de que, hoje, bandido não tem medo nem de polícia, que dirá de guarda-noturno. 

Espero que as próximas inovações de serviços sejam realmente evoluções, porque fico imaginando como seria a desinovação daquela broca do dentista, o famoso “motorzinho”. Deus me livre e guarde.  


Sérgio Piva

s.piva@hotmail.com

últimas