Os nomes têm funções distintas, como designar pessoas, animas e coisas ou podem atuar de forma simbólica, indicativa ou icônica, quando remete a uma imagem para criar determinada ideia.
A escolha dos nomes de pessoas ocorre das maneiras mais diversas possíveis. Homenagem a familiares, personalidades ou pessoas famosas, por sarcasmo ou diversão própria de genitores apatetados e, mais recentemente, buscando o significado que os nomes possuem.
Seja qual a forma escolhida para se buscar a designação, o nome torna-se a representação da pessoa que o obteve, e passa a descrever sua característica como ser, os sistemas físicos, fisiológicos, psíquicos e morais, seu ethos.
Os nomes das coisas, especialmente dos produtos comerciais e dos lugares parecem buscar a mesma lógica dos nomes de pessoas. Sobretudo no mundo mercadológico moderno, há bastante cautela ao determinar os nomes de lugares, com grande preocupação quanto a função icônica dos nomes, já que a possibilidade de ligação entre o lugar e a ideia a que ele remete pode ser o ponto determinante do sucesso ou do fracasso.
Os exemplos se enfileirarão se começarmos a lembrar dos nomes que vemos por aí. Imagino que se visse uma fachada de um comércio cujo nome fosse “Maria Cachaça”, não pensaria duas vezes de tratar-se de um lugar para encher a cara, nunca um restaurante de gastronomia refinada.
Talvez não aceitasse o convite para ir ao Bar do Suvaco, em Natal, ou ao bar Comeu Morreu, em Parnamirim, sem antes ver o ambiente. Muito menos ao Bar dos Otários, em Fortaleza, a não ser que não ligasse o nome a pessoa. Mas, certamente, se apressaria em ir ao Quero Bim Bar, em Maragogi, a passos largos ou a toda velocidade, dependendo do seu grau de abstinência sexual.
Por essas razões, sempre fiquei intrigado com os nomes dados a certos lugares, me esforçando em imaginar os motivos que levaram a definição de suas denominações. Provavelmente a função não se enquadre nem em simbólica, nem indicativa e, muito menos, icônica. Decerto, não se trate de função, mas sentimento. O de esperança, segundo minha solitária conclusão.
A Cidade de Deus, bairro do Rio de Janeiro, serve de primeiro exemplo. O conjunto habitacional, construído na década de sessenta pela Companhia de habitação Popular do Estado da Guanabara, serviu para esvaziar as favelas da cidade maravilhosa e esconder a pobreza dos olhos de turistas e da elite abastada.
Também foram levados para lá moradores de outros morros, desabrigados em consequência de uma enchente que arrasou o Rio na época. Foram jogados no bairro em meio ao tráfico, brigas, roubos, confusões diversas e mortes constantes. A Cidade de Deus era um verdadeiro inferno, apesar das ruas terem nomes de personagens bíblicos.
Adoram colocar nomes em bairros para provocar a ideia marquetizada de superação, felicidade, do céu na terra, o éden tangível, quando, na verdade, tratam-se de um amontoado de casas minúsculas ou locais sem infraestrutura adequada de mobilidade urbana, lazer, e de acesso restrito ou difícil aos equipamentos públicos de cultura, saúde e educação. Quando não, em sua maioria, as duas coisas no mesmo lugar.
A cidade de São José do Rio Preto tem alguns modelos desses bairros: Parque da Cidadania, Vida Nova Fraternidade (1 e 2, se achar pouco), Parque Nova Esperança (o mais sincero), Parque Residencial da Amizade e Parque Residencial da Lealdade.
Além daqueles existentes em outras cidades, onde há o Vila Rica, Nova Primavera, Bem Viver e os inúmeros Vida Nova para tudo quanto é lugar. Todos eles são conjuntos de casas populares, seja lá o que isso signifique. Alguns chamados de Conjuntos Habitacionais de interesse popular e, acrescento, de desinteresse governamental.
No entanto, o mais engraçado, se não fosse triste, são os conjuntos habitacionais ou bairros de moradias populares (para cimentar o eufemismo e a maquiagem verborrágica) com nome de santo. Parecendo letra de música do Renato Russo.
Tem santo para todo gosto e todo credo. Vila Santo Antônio, Parque São Jorge, Vila Santa Luzia, Jardim São Francisco (de Assis e de todas as cidades) e, ainda, Jardim San Leandro, para não estender demais a lista e o texto. Percebe-se que apareceu até santo de fora do país. Há quase um santo para cada casa e um morador para cada causa.
Os arquétipos de paraíso estão espalhados pelas periferias de todos os cantos e jazem na esperança de se transformarem de áreas de confinamento em lugares de vivência de pessoas, que, mesmo não podendo ser beatificadas, sejam declaradas gente, e veneradas a todo tempo por todo poder.
Diante da abundância de santidade, nos bairros, nas cidades e na própria capital, pelo menos nosso estado deveria ser um paraíso, não o bairro, mas aquele prometido no começo de tudo, já que o outro, depois da morte, também está na periferia.
Melhor seria mudar os nomes. Não de favela para comunidade, mas qualquer outro que não suscite esperança, pois se ela é a última que morre, aqueles bairros serão os últimos a mudarem. A não ser que seja novamente de endereço ou de zona, porque o nome pode ser santificado, mas o lugar não se santifica pelo nome.
Sérgio Piva
s.piva@hotmail.com
PS – Mais um texto da séria série “Vale a pena ler de novo”