No meio do caminho tinha uma pedra, observou o poeta. E com essa única pedra fez poema, fez revista, fez sucesso. Mas o título de sua obra revela muito mais a ênfase no caminho, menos na pedra.
Parece certo o sentido figurado quando ele fala no singular, pois inúmeros são os caminhos e muitas são as pedras a atravessá-lo. Talvez singular por estar falando de sua própria estrada. Certamente plural quando lido e reescrito por incontáveis olhos que percorrem o papel, a tela, a cela, a vida.
Fosse geólogo ia debater meu próprio título. Mineral, rocha ou pedra? Não importa. O nome não é relevante. O que ressalta, e as vezes salta, no tema, não é sua matéria, seus minerais, somente sua dureza, sua natureza, das rochas, de ser pedra.
Ela se constrói ao longo do tempo. Muito tempo. Vai agregando matéria ou matérias. Seja única, pequena, ou gigantesca rocha, o que importa é sua composição, acúmulo de existência, de experiência. Mais, sua dureza. Porosa, homogênea, preciosa, da terra, do mar, da areia, da vida inteira. Se der, da metade dela, até ser pedra, ser dura. Dura para durar.
Faz-se para esculpir a linha do horizonte, estar na praia aos montes. Converte-se em gema para o dedo ignorante e coleira da amante. Não usa a si mesma, nem para na gênese, continua avante.
É do sol para fazer ligação, de sabão para a decoração, da lua para a proteção, de pomes para esfoliação, hume para cicatrização e, dizem uns, para o tesão, outros, pura elucubração.
Tudo se fez pedra. Até a selva virou de pedra. Criaram alma e coração de pedra. Fizeram até o apedrejar, não só com pedras, também com duras palavras. Outrora, chamaram de lapidação. Se o homem lapida a pedra, ela faz dele lápide, de mármore ou de qualquer pedra. Polidez e lapidação. Reparação, da pedra, e redenção, do homem.
Vieste do pó e ao pó voltarás, antes, quem sabe, pedra serás. Não pedra de apedrejar. Pedra de apoio, de sustentação. Pedra fundamental e de construção. Pedra de lastro, de cura, de muro, de calçada. Pedra Dourada, Pedra Negra, Pedra Pedro.
Pedra pode ser obstáculo e caminho. Apedrejar e aquecer ninho. Causar dor e fazer pergaminho. Pedra sobre pedra: escada, estrada, empilhado, equilibrado. Pode quebrar janela, fazer sopa na panela, acertar a cadela, erguer uma cidadela.
Quase tudo de pedra pode. Só não pode empedrar, apedrejar, depredar, petrificar, empedernir. A pedra é a lei, o radical dita a norma. Nem pode afixar para destruir ou desconstruir.
Das pedras Cora construiu seus versos, levantou escadas, quebrou algumas para fazer estrada e, entre as que a esmagavam, escolheu a mais dura para escrever sua poesia.
João Cabral fez sua educação pela pedra, por lições. Para aprender da pedra, frequentá-la. A lição de moral, sua resistência fria. Lições da pedra (de fora para dentro, Cartilha muda).
Eu, na minha pequenez poética, não sou pedra de nascença, sou de ter feito nascer, de ajuntar o pó e as outras pedras, das pedradas e das pedrarias. Continuo juntando pedras, não para atirá-las, quem sabe algumas, muito mais para calçar meu caminho, de pedra (em pedra).
Encerro aqui, porque a estrada é longa e o trabalho árduo. E mesmo enquanto descanso, carrego pedra.
Sérgio Piva
s.piva@hotmail.com
Republico e dedico a João de Cabral de Melo Neto pelo seu centenário, completado neste ano.