É interessante como alguns autores têm uma predileção por certas partes de uma casa em um cenário de filme, de novela, de série ou até mesmo de romance. Além de amarrar as cenas e dar progressão textual, elas contam histórias. Aguinaldo Silva, novelista brasileiro, já confessou em entrevista que adora “o mistério de uma escada”; combinou, mais de uma vez, uma escada e um vilão. Quem não se lembra da engraçada e cruel Nazaré Tedesco de “A senhora do destino”?
Stephen Daldry, é um roteirista e diretor britânico. Seus filmes, de teor existencialista, nos fazem refletir profundamente sobre algumas questões não tão bem resolvidas. São obras inquietantes. Suas janelas intrigam; elas amarram cenas, enredos, personagens, dão pistas de que algo não está bem. Nos filmes “As horas”, “O leitor” e “Billy Eliot” as janelas lançam os personagens para fora de si mesmos, buscando razões pelas quais não estão satisfeitos, numa tentativa de, ora entender-se, ora libertar-se. De uma forma dolorida, mas bem poética.
Em série lançada pela Netflix, “The Crown” – tradução: “A Coroa”, é roteirista, produtor executivo e diretor em alternadas cenas das quatro temporadas. Seu estilo está impresso ali e faz recair sobre o telespectador todo o “peso da Coroa” por meio de portas e janelas e lacaios e salas e antessalas infindáveis. Além da própria trama e das falas num tom sobrecarregado. Acredito que as pessoas que estão do lado de fora do Palácio de Buckingham se perdem em meio a tantas janelas, assim como nós, telespectadores. Que segredos elas escondem? Como será a vida das pessoas ali dentro? Creio que seja uma pergunta que todos nós nos fazemos até com a mais simples das casas.
É como se ela fosse um portal inacessível. O vidro e a cortina servem como barreira e nosso filtro fica limitado. A gente tem a percepção, às vezes, – eu diria muitas vezes, quase sempre - equivocada do que vê. Quando eu era bem criança, li um texto na escola, de cujo título não me lembro, que falava sobre a noite de natal e dois meninos que se entreolham por uma vidraça grande. A criança de dentro da festa, aparentemente feliz e protegida, olhava para a criança de rua, pobre e abandonada. Ambas invejando o que a outra tinha. Uma, aparente liberdade; a outra, aparente cuidado. Cada um com sua insatisfação.
Creio que esse “dar uma espiadinha” seja colocar nosso lado empático para agir e ver como nos enquadraríamos naquela situação, naquele ambiente. A janela serve como nossos olhos, buscando, além de nós mesmos, a compreensão de nossos sentimentos. Se por um lado a casa pode significar nosso interior, nosso “outro eu”, quando nela externamos todo nosso estilo como na decoração e na disposição dos móveis; por outro, ela serve de proteção. Nosso refúgio mais íntimo. Da próxima vez que assistir a algum filme, dê uma espiadinha pela janela e tente se enquadrar dentro da trama.
Formado em Letras pela Fundação Educacional de Fernandópolis
Pós graduado em Docência para o Ensino Médio, Técnico e Superior