OPINIÃO

Um menino, cinco pães e dois peixes

Um menino, cinco pães e dois peixes

Por Padre Valdair Aparecido Rodrigues

Por Padre Valdair Aparecido Rodrigues

Publicada há 3 anos

Escuto até hoje a voz do Senhor Deus a sussurrar em meus ouvidos, e a ecoar em meu coração, a mesma convocação de janeiro de 2009, quando fazia os exercícios espirituais de Santo Inácio, em Itaici/SP, preparando-me para a ordenação: “Tenha um coração de criança e uma mentalidade de adulto em seu ministério presbiteral”.

É assim que me sinto frente à grandeza desse chamado: um menino! Um frágil menino! Porém há o diferencial em mim de ser envolvido pela graça de Deus. Confesso que sem ela nada sou. Tanto é que minha ordenação presbiteral se deu na liturgia do dia da misericórdia. A misericórdia divina me alcançou e me envolve continuamente. Nunca foi privilégio meu, mas mistério de Deus em mim.

Precocemente assumi algumas missões diocesanas. Um menino “aprendendo a andar” tornou-se reitor do Seminário de Jales e, com cinco anos e meio de padre, o mesmo menino assume a administração e a dinâmica pastoral da Catedral de Jales.

Quando fui designado para Jales, confesso que me questionei muitas vezes o porquê teria que ser “eu”. Em minha missa de posse, no dia 05/07/2015, fui tão bem acolhido pelos paroquianos, que até me ofereceram as chaves de suas casas e de seus corações, dizendo: “Pode entrar padre, sinta-se em casa!” Eu olhava aquela multidão e pensava: “Meu Deus, o que estou fazendo aqui?”.

De uma coisa eu tinha certeza. Era apenas um menino, com cinco pães e dois peixes. À semelhança do evangelho também me indagava: “Mas o que é isso para tanta gente?” (cfJo 6, 1-15).

Por mais que a acolhida tivesse sido grandiosa, pairava nos fiéis da Catedral uma sombra de dúvida: “Será que o padre Valdair dará conta?”. Eu não! Mas Deus agindo em mim, com certeza, sim!

Nestes últimos dias tenho ouvido tantas mensagens transbordadas de emoções e meu próprio povo amado encarregou-se de fazer um balanço para mim. Sei que poderia ter feito muito mais, mas o que realizei me dá a certeza daqueleverso final de uma poesia lindíssima recitada por Oswaldo Montenegro, a qual citei no dia de minha posse e, hoje, a experimento mais profundamente: “Metade de mim é amor, e a outra metade também”.

A sensação é de gratidão a Deus, que multiplicou meus dons. Gratidão aos meus paroquianos e a toda sociedade jalesense, que me exigiram e tornaram-me um padre amadurecido e comprometido. Gratidão ainda porque acolheram meus cinco pães e dois peixes e possibilitaram-me expressar a minha inteireza no amor. Gratidão por acolherem um menino e transformarem-no em um adulto. Hoje eu sei o que é ser um padre com coração de criança e uma mentalidade de adulto.

Vou para a nova missão em paz, cheio de saudades, transportando minha meninice, meus cinco pães e dois peixes. Estou nas mãos de Deus e, para onde Ele me enviar, eu irei. Rogo a Maria da Assunção, minha e nossa Mãe amada, que continue sendo nossa companheira na estrada. 


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