Faz sentido voltar ao tema da pandemia, porque o desafio ainda continua. Inclusive se agravou. As estatísticas nunca foram tão preocupantes como nestes dias. O quadro dramático que logo vem à mente é a situação emblemática de Manaus. É a amostra do que poderá ser a situação de todo o país, se não forem tomadas adequadas medidas administrativas e de adesão da população a práticas preventivas adequadas e urgentes.
A chegada tempestiva da vacina mostra como a ciência, se colocada a serviço da vida, pode se tornar uma valiosa aliada dos governos, e do bem comum.
Mas, é preciso haver convergência entre a contribuição da ciência, a administração competente dos agentes públicos da saúde, e o interesse indispensável da cidadania.
É preciso evitar que a causa da saúde pública seja instrumentalizada para fins econômicos, ou submetida a manobras políticas. É triste constatar que a incompetência administrativa se soma a interesses políticos, resultando em consequências trágicas, como se constata, infelizmente, em nosso país, de modo especial em torno do “imbróglio” da aquisição, distribuição e aplicação das vacinas.
Em entrevista concedida pelo Papa Francisco aos jornalistas, ele observa que nunca se sai de uma crise da maneira como entramos. Ou saímos melhores ou piores. E quanto maior for a crise, mais profunda deve ser a mudança a partir das advertências que a crise nos apresenta.
Seria muito superficial achar que a vacina vem resolver todo o problema levantado pelo “coronavírus”. Esta pandemia traz a grande oportunidade para alcançar uma meta muito grande e desafiadora. Trata-se do desafio de mudar nossa maneira de pensar e de agir, em relação ao nosso convivo humano, mas também em nosso convívio com a natureza, com a nossa “mãe terra”.
Na entrevista concedida aos jornalistas, o Papa aponta duas realidades, que revelam o lado trágico da situação da humanidade: as guerras, que ainda persistem, e as milhares de crianças, que cada dia morrem de fome.
É triste fazer as contas, e verificar que o dinheiro gasto na compra de armamentos durante um mês seria suficiente para alimentar as crianças famintas durante um ano inteiro. Uma “cultura da indiferença”, como observa o Papa Francisco, esconde estas realidades de modo a não perturbarem a consciência das minorias privilegiadas. E a “cultura do descarte” justifica a eliminação dos que perturbariam a presença dos excluídos do banquete da abundância. A pandemia escancarou os equívocos do sistema que privilegia as minorias ricas em detrimento das maiorias empobrecidas.
Com a mesma urgência que aguardamos a vacina, precisamos nos debruçar sobre um projeto de vida, que cuide do meio ambiente, e concretize o sonho da encíclica “Fratelli Tutti”, “todos irmãos”, todos convocados a construir um mundo de fraternidade e de paz.
Jales, 28 de janeiro de 2021.