IMPUNIDADE

Conheça Barcarena, conhecida como a "Chernobyl na Amazônia"

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Luto e luta contra crimes de mineradora que passam ao largo da Justiça

Luto e luta contra crimes de mineradora que passam ao largo da Justiça

Publicada há 2 anos

Seu José Luis, um dos primeiros moradores do bairro Industrial em Barcarena, mostra que sofre com problemas de pele - Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real

Da Redação

Ao sul da cidade de Barcarena, está localizada a planta industrial da Alunorte, a maior produtora de alumina do mundo. Quando a companhia se instalou neste município paraense, nos anos 1990, os habitantes imaginavam que o futuro tinha chegado. Só não podiam prever que esse futuro representaria sofrimentos, intoxicações em níveis mortais e um abandono das autoridades que deveriam zelar por suas vidas. 

O luto e a luta da população contra os crimes ambientais da mineradora são reais, mas poucos têm noção da dimensão dessa tragédia. A população contaminada pelas indústrias de mineração no nordeste do Pará pede Justiça. Para as vítimas, Barcarena é uma Chernobyl na Amazônia.

A reportagem é de Cicero Pedrosa Neto, publicada por Amazônia Real no dia 16 de dezembro de 2021, confira aqui, na íntegra https://www.ihu.unisinos.br/615654-barcarena-uma-chernobyl-na-amazonia

“Meu marido morreu sem nunca ter conseguido ir num toxicologista, ele estava cheio de alumínio no corpo”, diz Maria do Socorro Costa, sem poder conter as lágrimas. Mulher forte e destemida, um dos maiores símbolos da luta contra os crimes da mineração na Amazônia, Socorro do Burajuba, como ela gosta de ser chamada, vive hoje o pesado luto pela perda do companheiro, Raimundo Amorim Barros. 

Ele morreu nos últimos dias de setembro [do ano passado]. A perda de Socorro do Burajuba acontece quando movimentações nos tribunais nacionais e internacionais reacendem o debate sobre os danos e violações de direitos humanos cometidos pela mineradora Hydro Alunorte e apontam para a reparação dos crimes cometidos pela empresa na cidade de Barcarena.

Fazia seis meses que a reportagem da Amazônia Real não tinha notícias de Raimundo ou Socorro do Burajuba. Há 4 anos, a agência acompanha o drama das famílias impactadas pela mineração em Barcarena, observando de perto os desdobramentos do último desastre socioambiental envolvendo a mineradora norueguesa Hydro Alunorte.

Barcarena esteve no noticiário dos últimos dias por causa de outra gigante da mineração, a transnacional francesa Imerys Capim Caulim. No mesmo polo industrial, a menos de três quilômetros de distância, a maior fabricante de caulim do mundo viu um de seus galpões pegar fogo, no último 6 de dezembro. Nas horas seguintes, uma fumaça tóxica carregada de enxofre varreu o município. Até o dia 15, cerca de 160 pessoas já haviam sido atendidas nos serviços de saúde, apresentando sintomas como náuseas, vômito, dor de cabeça ou falta de ar.

Mas o drama de Raimundo nada tem a ver com a fumaça tóxica. Seu problema era o alumínio. Entre 2015 e 2017, ele participou de uma pesquisa promovida pelo Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará (Laquanam/UFPA), que comparou amostras de cabelos de habitantes de Barcarena e Altamira, no sudoeste paraense. 

O estudo, coordenado pela pesquisadora Simone Pereira, que dirige o laboratório e é professora titular da Faculdade de Química da UFPA, investigou os níveis e a presença de 21 metais pesados no corpo de pessoas que vivem próximas ao Polo Industrial de Barcarena, entre eles o alumínio, o chumbo, o cromo e o níquel – considerados prejudiciais à saúde mesmo em baixas concentrações.

No cabelo de Raimundo Barros, laudo ao qual a Amazônia Real teve acesso, havia 110 vezes mais alumínio do que o de um morador de Altamira, tratado no estudo como “população de controle”. A média encontrada entre os altamirenses foi de 33,9 microgramas por grama para o mesmo metal. Nos fios de cabelo de Raimundo, havia rastros de alumínio muito acima do normal. O cromo e o níquel também estavam com valores acima dos encontrados em Altamira.

Raimundo, conhecido como “Seu Dico”, era diabético e havia anos sofria com várias enfermidades. Debilitado, ele viveu a maioria dos seus últimos dias entre uma rede e a cadeira de rodas – onde também tomava banho –, sempre sob os cuidados de Socorro. 

“Ele começou com uma dor abdominal, depois o médico disse que ele tinha diabetes. E ele aqui, bebendo água contaminada, tomando banho, comendo as coisas aqui do quintal, fazendo farinha […] depois foi o rim, uma gangrena e ele não aguentou mais”, lembra a viúva.

 A companheira Socorro do Burajuba também estava com valores superiores aos esperados pelo estudo do Laquanam, especialmente o alumínio e o cromo. Só um laudo toxicológico poderia precisar a quantidade de metais em excesso presente nos habitantes de Barcarena, incluindo a líder comunitária e seu companheiro.

“No estudo feito a partir do cabelo, a gente consegue determinar que existe exposição aos metais. Só a análise do sangue pode mostrar com mais precisão os níveis de contaminantes no corpo dos indivíduos”, afirma a professora da UFPA, Simone Pereira. 

O cabelo seria, assim, uma espécie de termômetro de uma realidade que pode ser ainda mais grave. A pesquisadora explicou que não há na literatura científica valores determinados como seguros para metais pesados em cabelo.

Além da histórica tragédia de Chernobyl, essa matéria lembra também sagas de ativistas ambientalistas e filmes que retratam realidade tão desumana como a registrada em Barcarena, e denunciada pelo site do Instituto Humanitas Unisinos, como o longa estrelado pela atriz Julia Roberts, “Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento”, lançado em 2000.

Localização da cidade de Barcarena, Pará - Imagem: Google Maps

Maria do Socorro Costa da Silva chora ao lembrar do marido falecido em setembro, sem nunca ter conseguido uma consulta com um toxicologista - Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real

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