ARTIGO

UMA LUZINHA NO TÚNEL

UMA LUZINHA NO TÚNEL

Por Gaudêncio Torquato

Por Gaudêncio Torquato

Publicada há 2 anos

A implosão do PSDB, com a dissensão aberta pela Executiva do partido e o ex-governador João Doria que, até o fechamento desta análise, se mantem inflexível na manutenção de sua candidatura à presidência da República, pode se transformar no feixe de luz a iluminar a paisagem social.

Antes, a observação: o ex-governador de São Paulo tem todo o direito de reivindicar a indicação de seu nome, eis que venceu as prévias partidárias, legítimas e acordadas com a própria direção tucana. Ganhou do ex-governador Eduardo Leite, do RS, a vaga como candidato e até já iniciou seu périplo pelo país. O isolamento imposto a Doria, com a decisão do próprio PSDB, MDB e Cidadania de escolha de um candidato de consenso entre eles, que não seja o ex-governador paulista, aponta para a senadora Simone Tebet (MDB-MT), um perfil com maiores chances de crescimento, tendo em vista não ser muito conhecida e com rejeição não tão alta.

O imbróglio está formado e a alternativa que sobra a João é a judicialização, com recursos ao Judiciário. Posto isso, sigamos a vereda das expectativas. Espera-se que Tebet, com ampla visibilidade e um ciclo eleitoral de mais de cerca de quatro meses, possa se fazer conhecida e obtenha um índice competitivo entre os candidatos, quebrando a polarização entre Lula e Bolsonaro. Seria possível?

Sim. Mas a hipótese carece de um denso painel de fatores. Primeiro, consideremos o halo que cerca a imagem de João Doria. Sua rejeição é muito alta. Poderia revertê-la? Em parte, sim, mas também neste caso seriam necessárias condições para que pudesse crescer a ponto de ameaçar os dois candidatos dos extremos. Economia, espírito do tempo, embalo do eleitorado etc.

Em campanha, sabe-se do lema: quando o vento corre para um lado, ninguém segura. Foi o que ocorreu com o próprio Doria quando ganhou a prefeitura de São Paulo contra Fernando Haddad, em 2016, obtendo 53,29% dos votos válidos. E, também, quando ganhou o governo de São Paulo para Marcio França, do PSB, por 51,75% dos votos válidos contra 48,25%, em 2018. Nos últimos dias dos pleitos, o vento bateu forte nos costados de João.

O que teria havido com o empresário, jornalista e tucano que ajudou Mário Covas em tempos idos? O arrojo na política, essa propensão para abocanhar fatias cada vez maiores de poder. Deixou a prefeitura paulistana para Bruno Covas e se candidatou ao governo, deixou o governo para Rodrigo Garcia, que puxou do DEM para o PSDB, dois anos depois, sob a expectativa de que seria o tucano mais qualificado para ser o candidato do partido a presidente.

Essa imagem de "ambicioso" caiu no sistema cognitivo dos eleitores, que perceberam na índole Doriana uma aura que causa espanto e temor. A ideia de um perfil destemido, determinado, um gestor incansável, que chega a trabalhar 18 horas por dia, não vingou.

O cientista político Robert Lane crava a lição: "A fim de ser bem-sucedida em política, uma pessoa deve ter habilidades interpessoais para estabelecer relações efetivas com outras e não deve deixar-se consumir por impulsos de poder, a ponto de perder o contato com a realidade. A pessoa possuída por um ardente e incontrolável desejo de poder afastará constantemente os que a apoiam, tornando, assim, impossível a conquista do poder". Na visão deste analista, esse "desejo ardente" pode ser a causa da tempestade que corrói o perfil de Doria.

E Simone Tebet? Senadora, mulher, fluente, passa a impressão de pessoa corajosa e em condições de entrar na liça. Filha de um grande político, Ramez Tebet, ex-prefeita, ex-secretária de Estado, ex-deputada, Simone exibe assepsia, sob um manto sem manchas na trajetória. Agora, seu crescimento vai depender das circunstâncias ou, noutra imagem, o Senhor Imponderável é quem dará as cartas decisivas.

Digamos que o eleitorado perceba e internalize a imagem de Simone. Digamos que seja favorecida pelos ventos da estação. Digamos que seja a bola da vez, encarnando a ideia de que poderá romper as fronteiras da polarização. Não é de todo improvável. O tempo é o Senhor da Razão, lema muito conhecido dos políticos, velhos e novos.

E, assim, a senadora emedebista poderia se transformar na luzinha que a comunidade política está ansiosa para enxergar, abrindo os horizontes de um novo tempo.


Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político Twitter@gaudtorquato

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