NA CÂMARA

Caso “Pastorzão”: Estopim para uma devassa nos gastos com combustível

Caso “Pastorzão”: Estopim para uma devassa nos gastos com combustível

Após defesas se manifestarem, “falhas” no controle de quilometragem de veículos oficiais tendem a tornar-se o “foco principal”

Após defesas se manifestarem, “falhas” no controle de quilometragem de veículos oficiais tendem a tornar-se o “foco principal”

Publicada há 2 anos

Reportagem teve acesso a documentos que podem dar origem a questionamentos sobre controle do uso, gastos com combustíveis e prestação de contas das notas fiscais pagas aos postos que efetuaram os abastecimentos em nome da Câmara Municipal de Fernandópolis: nos últimos anos, pelo menos 3 veículos oficiais foram utilizados pelo Legislativo

João Leonel

O caso do vereador Claudenilson Alves de Araújo (PSC), o “Pastorzão”, pode se transformar no estopim de uma verdadeira devassa nos gastos com combustível dos veículos oficiais da Câmara Municipal de Fernandópolis. 

“Pastorzão” responde a uma representação no Conselho de Ética do Legislativo de Fernandópolis acusado de “uso indevido de veículo oficial”, por ter utilizado a recém adquirida Toyota Hilux SW4 para uma visita ao filho no Centro de Detenção Provisória do município de Paulo de Faria no dia 14 de março.

Para entender a amplitude da ‘sinuca de bico’ que a Câmara Municipal começa a vivenciar, vamos aos fatos.

PRESIDENTE DA CÂMARA

Primeiro, através do ofício n° l55/2022, de 28 de março, endereçado à Rádio Alvorada 95,3 FM, primeiro veículo de imprensa a questionar o uso de um veículo oficial para finalidade particular do vereador Pastorzão, o próprio presidente da Câmara de Fernandópolis, vereador Gustavo Pinato (DEM), confirma a existência de um “erro” no preenchimento do diário de controle do veículo oficial, a Hilux Zero Km adquirida pelo Legislativo.

“Com a aposentadoria recente do servidor responsável pela guarda e controle dos veículos, senhor Nelson Félix Nascimento, o veículo Hilux SW4, cujo livro foi elaborado no início desse mês (março), já que se trata de veículo novo, não possui ainda anotações no referido período, todavia o erro já foi devidamente observado, tendo sido tomada as medidas necessárias para ciência aos servidores da necessidade de preenchimento do diário de controle, tendo sido observado que desde o dia 21 de março do corrente exercício todos os registros estão sendo regularmente anotados”, declara Pinato.

Lembrando que a Câmara chegou a ter três veículos oficiais, um Ford Focus e um Toyta Corolla. O Focus foi colocado à disposição da prefeitura após a compra da Hilux, no valor de aproximadamente R$ 300 mil.

DEFESA DO ASSESSOR LEGISLATIVO

Visando substituir Nelson Nascimento, o presidente da Câmara nomeou em cargo comissionado o servidor José Renato, que dentro das atribuições de assessor de assuntos legislativos, cumpre as funções de motorista. Ele tomou posse na Câmara no dia 1º de fevereiro e passou a realizar serviços, como ir a bancos, correios, prefeitura e Iprem, a partir do mês de março.

Em busca de esclarecer a conduta do vereador Pastorzão, Gustavo Pinato determinou a instauração de um Processo Administrativo de Investigação, através da Portaria n° 16, de 28 de março.

José Renato foi notificado e no dia 6 de abril prestou depoimento à comissão de investigação preliminar no trâmite do processo administrativo, que transcorre nos moldes de uma “sindicância interna”. 

José Renato confirmou a viagem, tendo, de fato, levado o vereador Pastorzão até Paulo de Faria. Confira trechos de seu depoimento:

“(José Renato) é advogado devidamente constituído para a defesa do referido detento (filho do vereador Pastorzão), atuando de forma ‘pro bono’ (gratuitamente), e necessitava conversar com o detento (...) a fim de colher as devidas informações para elaboração de pedido de liberdade provisória. A viagem foi realizada com a companhia do vereador Sr. Claudenilson Alves de Araújo. A viagem foi realizada no dia 14 de março de 2022 (segunda-feira), por volta das 12h00, com retomo por volta das 16h30. O depoente informa que compareceu à casa do vereador Claudenilson, inicialmente para realizar a viagem com o veículo do vereador (...) todavia, verificando que o mesmo estava emocionalmente abalado, sugeriu que fossem com o veículo oficial da Câmara, entendendo que isso não seria ilícito, haja vista que se tratava de viagem a ser realizada junto com o vereador. Não houve diária ou qualquer outra despesa, exceto os gastos com combustível, para a realização da referida viagem. Relata que na data do dia 22 de março de 2022, às 11h36, realizou a reposição total dos gastos com combustível (completando o tanque com o importe total de R$ 436,36), momento em que pede a juntada aos autos do referido comprovante dos gastos ressarcidos. Relata que a viagem foi de 260km aproximadamente, todavia o ressarcimento dos gastos com combustível compreende um valor correspondente ao total de aproximadamente 520km percorridos, motivo pelo qual pede, igualmente, a juntada das notas fiscais de abastecimento anterior do veículo para comprovação dos gastos por ele suportados. Relata que fez relatório semanal das viagens realizadas com o veículo SW4, tendo informado em um livro de registros de viagens daquele carro que se deslocou ao CDP de Paulo de Faria/SP para acompanhamento do vereador Claudenilson, todavia, informa que era o único condutor do veículo e, até aquele momento do registro, ainda não teria dado ciência a nenhum outro servidor ou membro desta Casa de Leis sobre os registros realizados naquele livro. Indagado pelo controlador interno da Câmara, Sr. Thales Adolfo de Almeida Zaine (procurador jurídico da Câmara), sobre a existência do livro, uma vez que aquele documento estava sendo solicitado para extração de cópia, com o intuito de responder a solicitação de informações da Rádio Alvorada, foi questionado pelo controlador interno sobre os diversos erros de preenchimento do livro, tendo informado o servidor que o livro deveria registrar cada uma das viagens realizadas com o veículo e que o preenchimento de modo semanal e não individualizado estaria incorreto, não podendo ser aceito aquele livro como documento válido, já que não traduzia as informações relativas a cada viagem. Diante da negativa de recebimento do livro preenchido daquele modo e a solicitação do servidor para que saneasse os vícios de registro, regularizando os preenchimentos de cada uma das viagens realizadas, o depoente se dirigiu até a Gráfica Líder, responsável pela impressão do livro, a fim de verificar a possibilidade de remoção das folhas preenchidas incorretamente para que pudesse refazer os registros da forma correta, individualizando as viagens, que não foram muitas, já que o livro havia sido entregue a ele recentemente, não havia muitos registros, mas apenas anotações do próprio depoente. Ao chegar à gráfica, o depoente conversou com o representante da Gráfica Líder (...) que o informou que a gráfica somente fazia a impressão das folhas e que, portanto, deveria procurar a empresa responsável pela encadernação do livro, a fim de verificar a possibilidade de correção daquele livro. Diante da informação recebida, o depoente se deslocou até a Encadernadora Teixeira e conversou com o responsável (...) que tentou remover as páginas preenchidas incorretamente, diante da informação do depoente de que ele entendia não se tratar de um livro válido, já que ainda não estava numerado, não constavam termos de abertura e encerramento e nenhum registro oficial, tendo anotações apenas do depoente realizadas de forma incorreta. Verificando o depoente que a extração das páginas danificou o livro, entendeu que seria melhor providenciar a confecção de um novo livro para apresentação junto à Câmara Municipal, objetivando, assim, preencher, a partir de então, de forma correta, com a individualização de registro de cada viagem, conforme a orientação recebida da Controladoria Interna da Câmara Municipal. Por entender que não se tratava de um livro válido, ficou de posse do livro preenchido irregularmente, se comprometendo a entrega-lo até o final do expediente (...) Informa que apresentou o novo livro para a Câmara Municipal, assim que ele foi devidamente confeccionado, passando, desde aquela data, a preencher corretamente os registros de viagens, em conformidade com as orientações recebidas da Controladoria Interna da Câmara Municipal. Declara o depoente que arcou com os custos da confecção e encadernação do novo livro de registro de viagens (Diário de Bordo), não tendo a Câmara realizado nenhum dispêndio com a elaboração desse livro. Complementarmente, após encerrados os questionamentos da Comissão de Investigação Preliminar, o depoente solicitou a possibilidade de fazer considerações finais, que após deferimento do pedido, assim relatou: ‘(...) não possui experiência com o exercício de cargo público, tendo assumido o cargo sem qualquer tipo de treinamento ou capacitação para o exercício de suas atribuições, não tendo identificado nenhuma norma ou regulamento que discrimina quais as finalidades de uso do veículo oficial da Câmara Municipal’ (...) comunica ainda que quando foi apresentado à maioria dos vereadores, recebeu informações da Presidência de que suas atribuições compreendiam também o assessoramento de todos os vereadores em assuntos legislativos que não estivessem vinculados às atribuições de nenhum outro servidor”. 

Em sua oitiva, José Renato estava acompanhado de sua advogada, Adriane Adélia Menezes. A reportagem teve acesso à defesa do servidor, protocolada junto à comissão de investigação preliminar. Confira alguns trechos da defesa: 

“Com relação ao livro de registro de controle de viatura (José Renato) recebeu um livro de controle de quilometragem sem termos de abertura e encerramento e sem páginas numeradas, e que também não lhe instruíram como preenchê-lo (...) só foi informado (sobre a forma correta) pelo controlador interno Sr. Tales, quando surgiu a necessidade de verificação do livro (...) Cabe salientar que, diante da Resolução Municipal nº 01/1991, a respeito do uso do carro oficial que foi encartada aos autos (...) em seu artigo 5º traz que o registro no livro deverá ser apresentado mensalmente com as determinadas informações constantes nos seus incisos, porém não traz que as anotações devem ser diárias (...) denotando-se que existe um desencontro de informações dentre os efetivos e as resoluções existentes na Casa Legislativa”.

ARQUIVAMENTO E NOVA SINDICÂNCIA PARA APURAR GASTOS COM COMBUSTÍVEIS

Já o advogado Ricardo Franco, que defende o vereador Pasrtorzão e o auxilia junto ao Conselho de Ética, entregou a defesa prévia de seu cliente no início da semana. 

Franco enfatiza que a denúncia contra Pastorzão é descabida no que denomina “malfadada representação”, além de indicar possíveis viagens irregulares à Brasitânia, que teriam ocorrido no período noturno, e apontar para “investigações futuras”.

“A Comissão Permanente de Investigação, Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar desta Egrégia Câmara Municipal, tenta, a qualquer custo, imputar ao denunciado a violação do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de Fernandópolis, esquecendo-se, entretanto, a honrada Comissão, que o ora denunciado nunca quis ir ao CDP de Paulo de Faria com o carro Oficial, muito pelo contrário. O ora denunciado estava em sua residência, com o seu veículo particular, aguardando o advogado José Renato (que também é funcionário público da Câmara Municipal) para se deslocarem até o CDP de Paulo de Faria, bastando para tanto, que os honrados membros do Conselho de Ética leiam os depoimentos e as alegações finais interpostas pela brilhante advogada Adriane Adélia Menezes que, sem nenhum subterfúgio, narra todos os fatos ocorridos naquele dia, isentando o ora denunciado de qualquer responsabilidade pelo uso do carro oficial. A grande verdade Excelências, é que o denunciado ao tomar posse no cargo de Vereador foi-lhe repassado uma cartilha contendo os deveres de um Vereador junto ao Poder Legislativo, tento ocorrido inclusive, uma reunião com todos os senhores vereadores e vereadora, afim de que o digno Procurador Jurídico dessa Egrégia Câmara Municipal pudesse esclarecer as dúvidas dos novos Vereadores. O que de fato correu foi ‘o esquecimento por parte de quem deveria sabê-lo’ da existência da Resolução de 01/ 1991, que regulamenta o uso do carro Oficial, que, diga-se de passagem, está em vigor até hoje. A defesa não irá fazer uma peça de ‘longas’ páginas, pois está claro que o denunciado não cometeu nenhuma afronta ao Código de Ética dessa Egrégia Câmara Municipal. A verdade é que não houve uma parcimônia entre a prova testemunhal com a decisão da Comissão Permanente. Da simples leitura do depoimento de José Renato, vê-se, com os olhos de ver, que àquele depoente, com grandeza e honestidade, afirma taxativamente que o denunciado não pediu para utilizarem do veículo oficial naquele malfadado dia. Afirma, inclusive, que ao chegar na casa do ora denunciado, o mesmo já encontrava com seu veículo particular pronto para o deslocamento, sendo que, o próprio José Renato, ao ver o estado emocional do denunciado, insistiu para que o mesmo adentrasse ao carro oficial, para assim seguirem viagem, pois o denunciado não apresentava condições de dirigir. Tanto é verdade que, em tratativas anteriores, onde restou combinado o deslocamento ao CDP de Paulo de Faria, o ora Denunciado deixa explícito que iriam em seu veículo, conforme se vê do ‘print’ de conversa via aplicativo WhatsApp. Vemos, portanto, de maneira cabal, que nem José Renato [vide seu depoimento], quanto o ora denunciado, foram orientados sobre os procedimentos legais para a utilização dos veículos oficiais da E. Câmara Municipal (...) Ainda, a defesa também não adentrará as questões dos livros pertinentes ao uso dos veículos oficiais, pois o denunciado nada tem a ver com esse fato que, no entanto, deverá ser objeto de uma análise profunda, tendo em vista que, até nos livros existem falhas grosseiras no que se refere a datas e locais da utilização dos veículos oficiais - vide viagens à Brasitânia efetuadas ao término das sessões! Outra questão a ser esclarecida: é indicada troca dos livros onde foram lançados os deslocamentos dos veículos oficiais que, segundo consta, o controlador interno das viaturas orientou o servidor José Renato que procurasse a gráfica responsável pela confecção do livro a fim de solucionar o preenchimento errado em duas folhas. Ora, Excelências, são fatos gravíssimos que deverão ser apurados em apartado e através de uma nova sindicância”.

Ricardo Franco conclui afirmando que Pastorzão “não cometeu nenhum infração Ética Disciplinar”, devendo o presente procedimento ser arquivado de plano. 

“(A Representação) é fruto de disputas políticas que buscam somente constranger o vereador Pastorzão (...) o Conselho de Ética não se presta a isso (...) Justiça é o que se espera”.

O advogado não descarta se debruçar sobre uma ampla investigação sobre os gastos com combustíveis, somando-se os três carros oficiais da Câmara nos últimos anos, com a devida prestação de contas através de notas fiscais pagas pela Câmara e em quais postos de abastecimento foram realizados os respectivos pagamentos, apontando ainda que um inquérito policial está instaurado na Delegacia Seccional de Polícia de Fernandópolis “que versa sobre crime de peculato”. 

Print do celular do Pastorzão em conversa via WhatsApp com o assessor legislativo José Renato, atualmente motorista da Câmara, onde fala que na viagem a Paulo de Faria ele, vereador, é que seria o motorista; esta reprodução foi anexada à defesa subscrita pelo advogado Ricardo Franco encaminhada ao Conselho de Ética

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