"... ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem. ÓI, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho éon... Quem vai chorar? Quem vai sorrir? Quem vai ficar? Quem vai partir? Pois o trem está chegando, tá chegando na estação. É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão...” (Trechos da canção “Trem das 7”, composta pelo cantor e compositor Raul Seixas).
O “Trem das 7”, às vezes passa longe da nossa estação, às vezes passa perto demais, carregando aqueles que nos são caros; uns partem, outros ficam, mas todos têm a certeza de que, um dia, embarcarão. O Trem, tomado como analogia na bela letra da canção de Raul Seixas, é o destino certeiro da vida, é o último, é a morte.
Ah! E não há nada mais democrático nessa vida do que ela. Ela abraça, igualmente, toda sorte de gente: ricos e pobres, famosos e anônimos, poderosos e fracos, arrogantes e humildes. Esse lado da morte inspirou um provérbio italiano que diz o seguinte: “No fim do jogo, o rei e o peão voltam para a mesma caixa”. A morte é sorrateira e, sem alarde, sempre chega de forma inesperada, mesmo que esteja tão próxima, pois sempre se deseja viver um dia a mais.
Sem tomar conhecimento da desigualdade que marca o mundo, dividido em classes sociais, títulos, posses e posições, ela chega como um trator, nivelando a todos, tornando-os iguais. O orgulho, a vaidade, a ganância e a soberba apequenam-se diante de seu poder. A morte, portanto, deveria inspirar uma mudança de postura – a da humildade.
Humildade que faz a pessoa reconhecer a brevidade da vida e, com isso, conscientizar-se de seu verdadeiro valor, encontrado naquilo que realmente importa: o tempo com sua família, seus filhos, amigos, as viagens, a busca pela sabedoria, e não somente pelo conhecimento, fazer o bem ao próximo, curtir a natureza, cuidar da saúde, enfim, buscar aquilo que confere a paz. É curioso notar que a consciência da morte - que um dia colocará fim as nossas vidas -, serve também para nos estimular a viver melhor e a não perder tempo com problemas pequenos. Nesse pressuposto, uma bela canção de nome “Epitáfio” foi composta por Sérgio Britto Álvares Affonso, integrante da excelente banda de rock Titãs. Para quem não sabe, epitáfio são aquelas inscrições encontradas nas fachadas dos túmulos.
A canção “Epitáfio” expõe em suas letras o lamento daquele que partiu sem ter aproveitado melhor a vida:“por ter se cobrado tanto, trabalhado tanto, por não ter aceitado a vida como ela é, por não ter se aceitado, por não ter aceitado as pessoas como elas são, enfim, por não ter visto o sol se pôr”. Como é triste deixar impresso na lápide palavras de arrependimento por não ter vivido bem. Quando se vive bem, morre-se bem, não por acaso há uma inscrição na fachada de um dos cemitérios da cidade de Fernandópolis/SP com os seguintes dizeres: “Se queres morrer bem, vives bem”. Um exemplo foi a vida e a morte do grande ator italiano Carlo Pedersoli, mais conhecido como Bud Spencer. Ele viveu intensamente, foi atleta, campeão italiano de natação dos 100 metros livres, disputou duas Olimpíadas pela equipe italiana de natação, cursou Direito, falava seis idiomas, inclusive o Português, foi funcionário do consulado italiano no Recife (capital do estado de Pernambuco), foi ator, atuou em filmes épicos como Quo Vadis e foi imortalizado como parceiro do ator Terence Hill nos impagáveis filmes de western spaghetti (velho oeste produzido na Itália) nos anos 1970.
Teve uma vida intensa, nada monótona, conhecendo vários países e inúmeras pessoas. Ele morreu aos 86 anos, em Roma, na Itália, no dia 27 de junho de 2016 e seus últimos momentos foram relatados assim pelo seu filho: “Papai se foi pacificamente, às 18h15. Ele não sofreu, estávamos todos ao seu lado e sua última palavra foi ‘obrigado’”.
Repare caro leitor, que somente um homem sereno e humilde, na confiança de ter vivido bem os seus 86 anos, é capaz de dizer um singelo “obrigado” aos seus entes queridos em seu leito de morte, antes do seu último suspiro. Por isso, ao avistar as cinzas do velho éon atrás das montanhas azuis, recomenda-se levar na bagagem a confiança de ter vivido bem antes de embarcar no último trem do sertão e, assim, não escrever no epitáfio palavras de lamento, como na letra da canção, mas de contentamento e júbilo.