Toda vez que vejo, leio ou ouço noticias catastróficas sobre o cotidiano em grandes cidades – e não estou a falar de sensacionalismo – me ponho a pensar no quanto as pessoas se adaptam ou se acostumam a determinadas situações.
Enchentes, congestionamentos e violência, por exemplo,fazem parte da rotina dos indivíduos que passam a considerar esses eventos como “coisas naturais”, normais até. Conheço algumas pessoas que consomem de duas a três horas de seu dia para ir de casa para o trabalho e do trabalho para casa, presas em congestionamentos. Uma amiga,que mora em São Paulo, me contou certa feita,com a maior naturalidade do mundo, que aproveitava esse “tempo” para colocar suas leituras em dia.Outra amiga contou-me que, para se livrar dos assaltos promovidos nesses congestionamentos,criouuma estratégia – segundo suas próprias palavras –, genial: deixava uma bolsa velha com alguns trocados no banco de trás do carro e a que ela realmente usava ficava escondida debaixo do banco do motorista. Assim, ela se livrava do inconveniente de perder bolsa, documentos, cartões e outros pertences, além de não correr o risco de contrariar os meliantes!
Os exemplos citados, obviamente, são extremos e remetem a outras tantas situações – que muitas vezes não nos damos conta – mas, que nos levam a criar estratégias de adaptação: relacionamentos, emprego, hábitos e rotinas, por exemplo. É mais cômodo. Não exigem uma profunda reflexão acerca de nossas vidas. Não exigem mudanças drásticas.
Recentemente, em conversa sobre o mesmo assunto com uma professora que conheci, ela citou um termo que não conhecia: síndrome do sapo fervido. Segundo ela, pesquisascientíficas realizadas com os tais batráquios demonstram que, quando colocados em recipiente com a mesma água de sua lagoa, ficam estáticos durante todo o tempo em que se aquece a água – mudanças do ambiente – até que ela ferva e que não reagem ao aumento gradual da temperatura; morrem quando a água ferve.
Numa busca no “santo” Google, para saber mais sobre o estudo em questão, cheguei ao site oficial do Rubem Alves, que escreveu singela, porém profunda crônica sobre o assunto. Ele também falaque o sapo fervido morre; “inchadinho e feliz”. E continua: “Por outro lado, outro sapo que seja jogado neste recipiente, já com água fervendo, salta imediatamente para fora. Meio chamuscado, porém vivo!Temos vários sapos fervidos por aí, concorda?”.
A crônica do Rubem Alves me fez lembrar o inquieto Raul Seixas e algumas de suas músicas. Em Sapato 36 ele canta: “Eu calço é 37, meu pai me dá 36. Dói mas no dia seguinte, eu aperto meu pé outra vez...”; emOuro de Tolo: “Eu devia estar contente, porque eu tenho um emprego, sou um dito cidadão respeitável e ganho quatro mil cruzeiros por mês...”; e em Meu Amigo Pedro: “...Vai pro seu trabalho todo dia sem saber se é bom ou se é ruim. Quando quer chorar vai ao banheiro...”.
Dizia Rubem, o homem que gostava de ipês amarelos: “Eu quero desaprender para aprender de novo, raspar as tintas com que me pintaram.Desencaixotar emoções, recuperar sentidos. / Dias de amor obrigatório são gaiolas. Pássaros fogem de gaiolas. Só amam gaiolas pássaros que não sabem voar... /As asas da alma se chamam coragem. Coragem não é ausência do medo. É lançar-se, a despeito do medo”.
E o Raulzito, em eterna metamorfose ambulante, como vovó já dizia: “Quem não tem presente se conforma com futuro/ Eu sou estrela no abismo do espaço, o que eu quero é o que eu penso e o que eu faço. Onde eu to não há bicho papão. Eu vou, sempre avante no nada infinito, flamejando meu rock, meu grito. Minha espada é a guitarra na mão./ Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar e eu não posso ficar ai parado”.
O Pensador e o Músico, ambos, foram qualquer coisa, exceto sapos fervidos. Suas obras nos convidam a sair da fervura da água e nos exortam a “pular fora” chamuscados, porém vivos.
E ai, vai encarar?